Há mais ou menos um ano,
choviam pedras por aqui. Cada uma delas atingiu em cheio o ponto mais dolorido do corpo humano.
Dias, semanas, meses passam e as varrem embora. Ficam só as cicatrizes que doem um bocado sempre que cutucadas. Apesar disso, o tempo parece fazer crer que pedras não vão atingir exatamente os mesmos pontos de outrora, afinal, qual seria a razão para isso? Aquelas pedras já nos ensinaram o que deveria ser ensinado. Ou não?
Parece que não. Pedras caem de novo e, de novo, fica-se a espreita, procurando se, em alguma delas, não está gravada lição a ser aprendida.
Eu sou só um menino pobre do interior sozinho em um apartamento assustador, cercado por uma cidade assustadora cheia de pessoas assustadoras. Por alguma razão, aparentemente, me cobram ser mais que isso e, mesmo as coisas mais simples da vida, não acontecem sem uma ponta de dor. A vida não dá trégua em nenhum aspecto.
A
oração não foi atendida. O
vazio, que prometia ir embora, parece que vai ser, agora, permanente. Melhor dizendo, o vazio está preenchido com as pedras. Com o tempo, vamos ajeitando-as, colocando-as nos cantinhos, jogando-as lá para fora - torcendo para que não caiam na cabeça de alguém - e aí fica só o vazio.
E o vazio, na certa, não é tão desconfortável. Desconfortáveis mesmo são as pedras, cheias de pontas duras que espetam e nos lembram das ausências sentidas. "Sentir" falta não é só uma construção linguística. Há faltas que, efetivamente, sentimos em cada osso de nosso corpo. Construamos, então, de novo, o vazio.
Machucado, cheio de dores, é impossível não pensar que seria melhor não acordar amanhã. Hoje, amanhã, depois de amanhã, por semanas, meses, não vai haver força para ir adiante. Mas é preciso ir adiante, não é? Há prazos, trabalhos a serem finalizados, e todos querem ver seu sorriso, todos querem ver seu otimismo, todos querem dizer "é assim mesmo" e você quer, desesperadamente, aceitar que sim, é assim mesmo.
Hoje, é difícil saber o que fazer com a dor - então, tento fazer um texto bonito e triste. Amanhã, meus pais vão me ligar preocupados, eu não vou saber explicar. Então, deixo aqui uma explicação que não foi dada por mim, mas por uns caras que eu abri mão de conhecer neste fim de semana, na esperança de que já conhecia o suficiente para mim:
Amanhã, além de não saber explicar, eu vou ajudar minha irmã com afazeres acadêmicos, vou, com coração aberto, comprar o jornal - mesmo que nele escrevam pessoas descuidadas, bem ao estilo Buchanan, que conseguem coisas lindas, jogam-nas impunemente fora e a respeito das quais falamos mal
aqui, sem ninguém entender. Pessoas descuidadas que deixam os Pachecos com coração partido, Pachecos que tentaram e que nunca vão ter o que tiveram os Buchanans.
Amanhã, apesar de não saber explicar, será o primeiro dia de recolher pedras, será o primeiro dia sem esperança de que o silêncio seja quebrado, será o primeiro dia da certeza de que é no vazio que devemos ficar.
Amanhã, vou, sim, corajosamente, comprar o jornal. Vou com o peito aberto, tentando assimilar as lições a serem aprendidas. Vou com dor imensa, mas com esperança que se repitam dias
assim e
assim.
Amanhã, meu único desejo vai ser que o dia acabe. Mas há prazos para cumprir, trabalhos a serem acabados - tomara que eles não acabem comigo - e, de um jeito ou de outro, o passo a frente tem que ser dado.
Amanhã, vou olhar para mim mesmo e lembrar dos dias que vi estrelas no céu, mesmo em uma cidade tão cheia de luzes artificiais. Amanhã, vou olhar para mim mesmo e lembrar a razão por quê fiz tudo isso. Vou saber que é a única razão possível.