domingo, 2 de outubro de 2011

Recortes de jornal

Entre as atividades deste empolgante domingo chuvoso na capital paulista, me vi organizando recortes de jornal.
Era essa uma atividade muito comum e, antes de qualquer coisa, acho que nela está a gênese deste humilde blog.
Não havia, como há hoje, cento e setenta e nove sites sobre F-1 que disponibilizam um conteúdo imenso dez minutos após a bandeirada final da corrida. A gente assistia o GP pela manhã, com sorte víamos o que passava a respeito dele no Esporte Espetacular, aguardávamos passar alguma coisa no Fantástico e só iríamos ler a respeito do evento no dia seguinte, quando comprávamos o jornal, ou o jornal chegava em casa.
Eram dias de glória aquelas segundas-feiras, após uma corrida mais emocionante, em que comprávamos a Folha e também o Estadão, e longos minutos eram gastos para ler, lembrar e saborear de novo aquele GP visto no dia anterior ao lado do meu pai.
Depois, tudo era cuidadosamente arquivado: separavam-se as páginas que interessavam do resto e elas eram atiradas no fundo de uma gaveta embaixo da cama, e lá estão até hoje, mais ou menos amareladas ou despedaçadas pela ação do tempo.
Houve uma época - vejam só -, quando era bem menino, que os recortes eram, efetivamente, arquivados com cuidado. Eram grudados a uma folha de sulfite e anexados a um fichário. Não bastasse, havia comentários pessoais deste indivíduo aqui, que ficaram conhecidos na história como dicta Renatoni, em evidente paralelismo aos dicta Gratiani.
Os tempos são outros e não se compra mais jornal. Existem tantas coisas para ler que ler ficou desinteressante. A primeira vítima foi o jornal impresso.
Os livros guardam seu encanto. Agora mesmo estava lendo um volume de uns 150 anos - meu nariz só vai para de coçar lá pela quinta-feira - e só imaginar por onde andaram essas páginas ao longo deste tempo todo torna a obra atrativa.
O jornal de hoje, por sua vez, será o jornal de ontem amanhã. E o jornal de amanhã, talvez, desdiga o que disse o jornal de hoje, e o que foi dito hoje ficará reservado ao passado até que algum historiador resolva que estas páginas são importantes para recriar um presente que não é o dele. Ou que alguém resolva lembrar um presente que, um dia, foi seu.
Esse último propósito, no entanto, guarda lá seus riscos. Tenho, por exemplo, jogado naquela mencionada gaveta, o jornal do dia seguinte ao do GP da Bélgica de 2000. Foi a ocasião em que Mika Häkkinen fez aquela maravilhosa ultrapassagem sobre o Schuchummy, já comentada aqui.
O jornal da segunda veio ilustrado com uma foto de Häkkinen no pódium e um texto grande ao lado: "Rumo ao tri". Quando li isso, pensei: "se ele não for tri, ler isto, daqui um tempo, vai doer". Dito e feito, o finlandês não levou o título - que ficou com o Dick - e até hoje me causa uma estranha nostalgia ler aquela manchete.
Agora, voltei a comprar jornais. Só aos domingos. Primeiro, porque é um bem acabado exemplo de compra e venda manual - "toma-lá-dá-cá", como diria o velho Chiquinho -, excelente para usar em salas de aula, sempre acompanhado de uma anedota, algo como "fui comprar o jornal e, no caminho, parei para tomar cerveja com um mendigo que demonstrava interesse pela lírica camoniana". Segundo, organizar recortes é uma boa atividade, a gente se distrai e areja a cabeça - por mais idiota que isso possa parecer. Terceiro, é possível que, amanhã, eu queira saborear, de novo, as experiência do hoje; um papel impresso com a data de algo escrito ontem pode ajudar a lembrar do tempo e das experiências que escorrem pelos dedos hoje.
Não dá vontade de pedir para parar só um pouquinho?

Um comentário:

  1. Adorei o post e suas lembranças do nosso passado com preparação "jornalística" para as corridas.
    Gozado que eu deixei de comprar jornais por motivos ideológicos.
    Aliás, valem até um possível post.
    Pelo texto primoroso e requintado a proximidade com o jornalismo está fazendo bem ao chefe do blog.
    E, como diz o luizão, "felicidade é o que importa".

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