terça-feira, 17 de março de 2015

Espontaneidade

Após o GP da Austrália, agravou-se ainda mais a crise que a F-1 enfrenta. A falta de barulho já sentida desde o ano passado, somada a uma corrida sem graça com apenas 15 carros alinhando no grid, além dos grandes destaques deste primeiro evento terem ficado para um acidente que ninguém entendeu e uma pendenga judicial que permeou a primeira semana da categoria em 2015. 
Não há nada que se possa fazer por esta F-1. Ela acabou, esgotou-se. No entanto, suas corridas não são mais ou menos chatas que outras de outros tempos. Hoje em dia, o YouTube está infestado de GPs antigos que podem ser assistidos na íntegra. Corrida chata não é um privilégio de nossos tempos. Era normal que houvesse certames terminando com 7, 8 carros, apenas os dois primeiras na mesma volta e este era o esporte. A gente achava lindo. Por que hoje não achamos mais? 
A série de posts "ma che porra" que o patriarca do blog promoveu contém uma parte da explicação. O que se vê ali são várias tentativas e vários erros permitidos ambiente da competição. Quer dizer, havia um regulamento técnico mínimo que dava margem para que engenheiros, mecânicos e pilotos dessem asas à imaginação, colocassem um bólido medonho na pista, quebrassem a cara, voltassem para garagem e tentassem de novo. Era justamente por isso que a categoria desenvolvia tecnologia de ponta. Seus expoentes, literalmente, colocavam a mão na graxa. 
Argumentaram, então, que isso ficava caro. Proibamos os testes! Claro que colocar um carro de F-1 na pista, em qualquer circunstância, custa muito dinheiro (ainda mais se considerarmos os preços da gasolina hoje. Rá!). Mas não é este o problema. 
Até há vinte e tantos anos atrás, a F-1 ainda dava atenção para o esporte. A parte negocial sempre esteve presente e sempre estará, mas hoje ela predomina. A F-1 não custa caro só pela parte esportiva, mas especialmente pelo seu setor de negócios. A categoria é uma plataforma para aproximação de empresários, como uma feira que acontece duas ou três vezes por mês. O tio Bernie tem seu estande para atender seus clientes e seus potenciais novos colaboradores; as equipes tem os seus estandezinhos. E todos têm que oferecer grande conforto para satisfazer empresários e atrair dinheiro. Rigorosamente, sob o pretexto de "redução de custos", a F-1 transferiu dinheiro do esporte a motor para a feira. 
Esta "corporativização" é o problema. Os magos do chamado mundo corporativo, que cagam regras a torto e a direito, determinaram que a aparência da F-1 deveria ser assim e assado, que ela deveria ser política e ecologicamente correta, que os pilotos deveriam usar mordaças, etc, etc, etc. A chatice, então, não está só na pista - aliás, ao contrário: temos uma geração ótima de pilotos brigando e fazendo ótimas corridas! 
Quero voltar a questão do barulho, pois ela é bastante simbólica. Há alguns anos atrás - sei lá, dois anos atrás -, fomos assistir ao WEC em Interlagos. Lá estão misturados carros de tudo que é jeito: protótipos de um tipo, protótipos de outro, carros de turismo, etc. No meio deles, há carros híbridos que quase não produzem barulho. No ano em que fomos ao autódromo, destacavam-se os protótipos da Audi que eram, ao mesmo tempo, extremamente velozes e extremamente silenciosos. A falta de ruído não só não incomodava, como encantava o público, especialmente quando confrontada com o alto brado dos motores V12 da Ferrari que deixavam a gente surdo quando passavam. Por que a diferença? Porque a questão não é o barulho em si, mas o modo como a falta dele foi empurrada goela abaixo das equipes e do público. Não foi um processo natural, em que houvesse liberdade para que alguma equipe surgisse com a ideia de um motor híbrido, julgando que, com ele, pudesser ter vantagens. Não foi um invenção louca e revolucionária para F-1, copiada por outros times até que alguém tivesse uma ideia melhor, como aconteceu com o motor traseiro, o spoiller, o motor turbo, o carro asa, a suspensão ativa, para dar alguns exemplos. 
Um dos problemas desta falta de espontaneidade é que ela inviabilizou qualquer alteração de forças entre as equipes sem que haja uma total reformulação do regulamento técnico. Como as regras são muito restritivas (veja-se, por exemplo, como é complicado mexer no motor ao longo da temporada neste artigo da Julianne Cerasoli) e os testes estão proibidos, a única forma de tentar tornar as corridas mais equilibradas é banir os elementos que fazem determinado carro hegemônico. 
No fim das contas, se a F-1 é chata ou não, pouco importa. O que, de fato, incomoda é perceber que a chatice da categoria reflete a chatice de um mundo forjado para prestigiar seus acionistas. 

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