sexta-feira, 20 de março de 2015

DESCRENTE

Jairo era um descrente. Não um pessimista. Não gostava de ser rotulado como pessimista, aquele que pensa que tudo dará errado. Jairo dizia que quase tudo era resolvido. Só que, em seu caso, da maneira mais sofrida.
E, era obrigado a aceitar que os seus projetos de vida não se concretizavam da maneira esperada. Quando davam alguma boa notícia ele dizia: “não acredito”, com uma convicção na descrença que o deixou famoso. Quando perguntado não lembrava quango desenvolveu essa faceta de sua personalidade. Não dos pais ou irmãos. Abria um sorriso tímido e dizia “todos normais”. E assim levava a vida. Ou a vida o levava, repetia sempre. 
Certa vez, ainda adolescente engatou um relacionamento com uma menina de sua escola. Ela se encantou com aquele jeito “para baixo” de Jairo. Mas, um dia ela se declarou e disse que o amava. Ele, repetiu seu bordão “não acredito”. Não do jeito que todo enamorado espera. Ou seja, "nossa, não mereço isso tudo". E, sim com o jeito dele de ser, descrente. 
Foi o fim daquele primeiro amor. Pelo menos por parte dela. 
Porém, sua personalidade não o impediu de namorar e casar. E, o casamento foi bom. Sua mulher, em reuniões, sempre o puxava de lado e pedia que parasse de ser “chato”. Ele sorria e tentava não ser o chato da turma. 
E, apesar de tudo era uma companhia agradável. As pessoas com as quais se relacionava acabavam se acostumando com sua última palavra de descrença. 
Futebol era sempre arrumado. Jogador, árbitro, bandeirinhas. Alguém estava ganhando para ajeitar o placar. Automobilismo? Piorou. Tudo combinado. Basta prestar atenção. Os pilotos ficam uns atrás dos outros e quase nunca tentam passar. Fora as quebras inexplicáveis. Melhor não falar em política. 
Jairo foi vítima de nossa violência cotidiana e de sua descrença. 
Sua última frase quando se viu diante da pistola de um assaltante foi: “não acredito que essa coisinha atire de verdade.”

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