quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

SONHO ALADO

Como bem lembrou o chefe do blog existe um episódio muito louco envolvendo o César Locão, pedindo perdão pela redundância.
Lembrando que o episódio ocorreu quando eu morava na famosa Djalma e nenhum madaquiense (existe isso?) sofreu bullying.
Nós adorávamos aviões e sempre marcamos presença no Campo de Marte. Não o planeta e sim o aeroclube em Santana.
Tá certo que o César honrava o apelido e acabava dentro de algum avião estacionado fuçando onde não devia.
Já naquela época ocorria um festival aéreo em determinada data do ano.
Vou abrir um parênteses (não um parente).
Engraçado como as coisas mudam. Lembro bem que nos idos de 1966, quando mudamos para Sampa, nos tempos de festa junina o céu era pipocado de balões. Uma diversão muito legal para nós pentelhos em ebulição pré-adolêscencia. No início das férias de julho partíamos em safári a caçar balões moribundos. Era paulada sobre paulada.
E, inúmeros aviões partindo do Campo de Marte, davam rasantes “cortando” os balões que se incendiavam caindo sei lá onde.
Hoje nada disso acontece.
Fechando parênteses.
Num desses festivais eu e o César Locão resolvemos que iríamos voar num teco-teco qualquer.
Era preciso grana. Iniciamos uma campanha meio doida que consistia em economizar a mesada para juntar dinheiro e alugar um avião para um vôo panorâmico. Detalhe: eu não tinha mesada. E o preço era salgado e azedo.
Então ficava o dia inteiro atrás da Dona Alzira pedindo dinheiro para comprar figurinhas explicando que eu não ia comprar figurinhas e sim guardar a grana para alugar um avião para um vôo sobre a cidade etc e tal.
Evidentemente ela não agüentou a pressão e intercedeu junto ao véio Mero, dono do cofre, pedindo pelamóde deus que financiasse minha loucura.
Pulando mais algumas etapas o pai do César Locão levou os dois alucinados até o Campo de Marte e negociou o vôo.
O avião era um Paulistinha como o da foto.
Um avião treinador como se diz e para dois lugares.
Ainda com nossa pouca idade a acomodação no banco de trás era quase impossível.
Mas, tudo em nome de um sonho. Sentamos no banco e colocamos o cinto. Alguém deveria ter tirado uma foto. Sem respirar, pela emoção e pelo aperto, lá fomos nós.
Logo de saída uma saia justa.
Na cabeceira da pista havia um avião, outro Paulistinha, pronto para alçar vôo.
Era da Faculdade Mackenzie, todo cheio de estilo, com algum aluno riquinho a aprender os macetes da aviação.
Então, nosso arrojado e intrépido piloto, além de revolucionário, enfrentou a burguesia avançando a pista e dando gás para alçar vôo para o infinito azul.
Lindo para nós garotos ingênuos.
Nosso piloto simplesmente alinhou com o outro avião, que tinha preferência, e deu motor junto com o pobre burguês.
Ali atrás, fascinados e espremidos no banco, demos mil tchauzinhos para nosso companheiro alado que acabou levantando vôo não sem antes ter que sair para a parte gramada. Então, entre tufos de grama presos no trem de pouso e xingamentos ele retribuiu nosso carinho com gestos muito feios.
Mas, subiu para os céus.
Nosso vôo consistiria em subir dar uma volta ao largo do campo e voltar. O dinheiro só dava para isso. Melhor que não dormir à noite sonhando com esses momentos.
Nosso anfitrião alado passou sobre a famosa e triste Penitenciária do Carandiru.
Num arroubo de entusiasmo deu um rasante sobre os muros. Guardas olharam assustados e chegamos a ver alguns presos jogando futebol.
Nós não percebemos, dentro do avião, a sensação de proximidade com o solo. Penso que a alegria pelo sonho realizado embotou nosso cérebro.
Ao voltar para o Campo de Marte sobrevoando o bairro da Casa Verde avistamos um campo de futebol de várzea. Mais um rasante. Foi quando eu fiquei preocupado porque um dos jogadores acenou e eu consegui visualizar os traços de seu rosto. Foi quando tive a sensação de estar perto demais do solo.
Ainda havia uma última emoção.
O Paulistinha alinhou com a pista descendo para o pouso. Na cabeceira, pronto para levantar vôo, havia um avião bimotor. Portanto, bem maior que o nosso.
O rádio avisava que a pista era do bimotor.
Qual nada. Nosso maluco anfitrião resolveu descer.
No mesmo tempo o bimotor começou a rolar pela pista. Rolar é um termo aeronáutico. O bichão desembestou pela pista.
Meninos do Brasil varonil.
Nós sobrevoamos o bimotor, batemos na pista aterrissando, mas era certeza que iríamos levar uma bifa por trás.
Não havia espaço para que o bimotor alçasse vôo sem o choque com nosso Paulistinha.
Num lampejo de lucidez nosso piloto deu gás levantamos vôo novamente e saímos pela esquerda como diria Pepe Legal. Tá certo. Pepe Legal saía pela direita. Mas, à direita havia os hangares. Portanto, saímos pela esquerda.
Ainda vimos o avião bimotor subindo sem ter tempo para tchauzinhos porque o dito era rápido.
Tivemos que dar uma volta pelo campo e pensamos que seria um brinde pela barbeiragem do piloto.
Finalmente aterramos e demoramos alguns meses para perder aquele olhar vidrado de alegria em realizar um sonho aparentemente distante para dois meninos pobres da periferia.
Depois de um tempão percebemos o perigo que corremos com as peripécias do piloto que nos levou aos ares.
Foi então que o pai do César Locão explicou a discussão que teve com o piloto quando descemos.
Ele cobrou a volta extra ocasionada pela sua ousadia descabida.
Pior, descobrimos que ele não era piloto. Era um mecânico de aviação metido a piloto.
Pegou um avião de treinamento e faturou algum.
Colocou todo mundo em risco, ele inclusive, numa atitude destemperada e irresponsável.
Enfim, se o encontrar nos dias de hoje, se vivo estiver, darei um abraço apertado num cara que proporcionou emoções inesquecíveis a este que vos tecla.
Toda vez que conto esta história aos incautos afloram as imagens daquele vôo como se tivesse acabado de descer do Paulistinha.
Penso que é para isso que vivemos.


3 comentários:

  1. A história continua boa mesmo sendo esta a 189834120ª fez que me contam.

    E pensar que seu filho borra de medo só de subir a escada do avião.

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  2. Pepe Legal foi muito boa. Historia sensacional. E o melhor de tudo e que a li ouvindo "What Is & What Should Never Be"

    "Way up high in the sky and whoa the wind won't blow, we really shouldn't go" =D

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  3. Demais!! Mas veja pelo lado bom: pelo menos o sujeito podia dizer que entendia o funcionamento da aeronave... em caso de precisar trocar algum pneu em pleno ar, ou algo assim.

    (Só me incomodei com as linhas avulsas, como se fosse um poema sem parágrafos. Alguém aí anda escrevendo para a Folha?)

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