terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Shadows on the road behind

Alguém escreveu, numa certa ocasião, uma coisa bem bonita. Reproduzo um trechinho aqui: "sempre que entro num ônibus, é a sensação que tenho até hoje: de que a vida é uma passagem silenciosa de um lugar para o outro, onde cabem todas as expectativas, ninguém sabe regular o ar-condicionado e o motorista pode pegar no sono a qualquer momento, embalado pelos roncos sinfônicos dos demais companheiros de trajetória. Todo mundo dorme. Não há outros carros na estrada. Mas, se você tiver sorte, haverá alguém à sua espera no desembarque".
Hoje, tomei eu um ônibus partindo de Ribeirão Preto rumo a São Paulo. Nenhuma novidade, são muitos e muitos anos neste trajeto.
Estar em casa - ou na casa dos meus pais? - é sempre aconchegante: existe café da manhã (acho que não tomava café da manhã há meses), almoço em horário adequado e até janta! Há filmes em família, reuniões na varanda, debates acalorados que se dissolvem em um instante quando alguém pisca mais demoradamente.
Então, volto para minha casa - é a minha casa? De acordo com minha mãe, não, e nunca será - e não existe muito mais que um vazio (de novo, o vazio) e um monte de saudades. Mas, depois de tanto tempo, eu me identifico com a sede paulistana do F-1 Literária e também com o vazio dentro dela.
Há mais ou menos um ano atrás, eu percorria a mesma estrada que percorri hoje, de volta para casa - ou, simplesmente, para São Paulo? - e, naquela ocasião, aconteceu algo intrigante. Estava sentado no fundo do ônibus - não havia ninguém ao meu lado -, e, duas poltronas a frente da minha havia um casal com os assentos recostados, conversando de mãos dadas. A cena era bonita. Dei uma bisbilhotada no livro em cima da minha perna e voltei os olhos, mais um vez, para o casal. Fui atingido, naquela hora, pela perturbadora percepção de que, deixando para trás Ribeirão Preto, rumava para um lugar em que não havia absolutamente ninguém me esperando no desembarque e que era um momento abominavelmente solitário da minha vida. Já não dava mais para voltar.
Hoje, em um ônibus muito parecido com aquele, não havia ninguém ao meu lado, nem para fazer companhia, nem para me incomodar enfiando o cotovelo em uma das minhas costelas. Ninguém me esperaria no terminal e nem em lugar nenhum. No entanto, lembrei do texto cujo trecho está reproduzido acima e percebi - quantas percepções! - que, no dia em que ele foi escrito, em um caderninho pequeno, estávamos com sorte, os dois. São poucos os dias de sorte, mas eles acontecem.
Mesmo sem ninguém a me esperar e sem saber bem o que esperar depois de aterrissar por aqui, senti que estava, mais uma vez, com sorte. O retorno foi menos traumático que em outros anos. Sem dúvida, lembrar dos dias que viram textos bonitos foi ótimo. Foi mais fácil, também, por ter presente quem eu deixei para trás, na mesa do almoço de hoje, pessoas que ainda estarão lá quando eu voltar. Do mesmo modo, há quem tenha ficado por aqui a nos esperar sempre - e são sempre esperados. Basta subir a rua ou aguardar que desçam.
Tentava fotografar as nuvens quando fui avisado de que, para chegar em São Paulo, bastava seguir em frente e deixar as sombras na estrada.


4 comentários:

  1. Rá!
    Mesmo se a viagem for para Santa Catarina quem nos deixa na rodoviária (mini no caso de Rib's)é quem nos espera no destino final.
    Como diria o poeta "não somos físicos, mas, mosaicos de espíritos."

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  2. Ônibus é um troço muito esquisito...

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  3. ... pessoas estão sempre a lhe esperar ... sempre, sempre com muita saudade ...

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