segunda-feira, 26 de julho de 2010

Ferrari, Ferrari...

É difícil acreditar que a Ferrari conseguiu estragar a beleza de uma competição automobilística mais uma vez. Parecia que, depois da Áustria em 2002, a coisa nunca mais aconteceria de forma escancarada. Até porque esse tipo de troca explícita de posições foi proibida e o rádio das equipe é aberto para todo mundo ouvir. Nem assim a Ferrari se preocupou em disfarçar muito.
Não dá para dizer que tirou a vitória de Felipe Massa, pois não há garantias de que o brasileiro aguentaria na frente de Alonso. Mas, pode-se dizer que tirou qualquer possibilidade de que ele brigasse pela vitória. E, na verdade, esse é o problema. O esportista entra em campo para fazer o seu melhor, ainda que não seja vencer. O melhor, ontem, para Massa, era lutar para vencer. A partir do momento em que o esportista deve pensar no "melhor para a empresa" e não em seu desempenho, deixamos de ter uma competição esportiva.
O que a Ferrari pratica não é jogo de equipe, é manipulação de resultado. Jogo de equipe é uma outra coisa. A palavra jogo tem implícita uma carga de álea; o aleatoriedade tem que estar presente, pode dar certo ou não. O que a Ferrari faz é colocar um piloto na frente do outro deliberadamente, por razões internas ao time não compreensíveis ao público e que não dizem respeito necessariamente ao desempenho de seus atletas.
Para mim, um exemplo de um típico jogo de equipe é o que houve no GP do Japão de 1991, quando Ayrton Senna conquistou seu terceiro título mundial. A McLaren precisava evitar que Nigel Mansell vencesse a corrida. Tinha no grid de largada Gerhard Berger, companheiro de Senna, na pole position, o brasileiro em segundo e o inglês apenas em terceiro. Com isso, estipularam uma estratégia em que Senna ficaria em segundo, andando em ritmo mais lento, segurando Mansell, enquanto Berger iria lá para a frente, abrindo uma vantagem segura para Mansell, procurando dificultar a briga do inglês pela vitória e pelo título. Isso é um jogo de equipe.
A Ferrari, muitas vezes, simplesmente escolhe quem será o vencedor, o que não significa que o time "jogou" pelo melhor resultado. Simplesmente entregou-se uma vitória a algum dos pilotos.
O caso da Áustria em 2002 talvez tenha sido ainda pior do que o de ontem. Em 2002, a Ferrari não tinha adversários. Em nenhum momento do campeonato o time italiano foi ameaçado. Então não havia nenhuma necessidade de garantir "mais quatro pontos" para Schumacher, que, aliás, naquele ponto do certame, tinha 42 pontos contra 6 de Barrichello.
Por outro lado, este ano, a Ferrari não é favorita ao título. A briga está acirrada e o time de Maranello está bem atrás na tabela, o que poderia justificar a escolha de um primeiro piloto. Contudo, em vista da superioridade técnica de outras equipes, a vitória na Alemanha pode ter sido meramente ocasional e a Ferrari pode ter se comprometido, novamente, por causa de uma corrida que em nada vai mudar o resultado do campeonato em favor de Fernando Alonso.
São situações muito diferentes, por exemplo, do que houve em 2007, quando Massa teve de ceder a vitória a Kimi Raikönen no Brasil, pois, vencendo, o finlandês sagrar-se-ia campeão, enquanto Massa não tinha mais chance. Ou em 2008, quando o próprio Raikkönen cedeu o segundo lugar para Massa no GP da China para que o brasileiro pudesse chegar em Interlagos em condições de brigar pelo título. Nessas condições, não é ideal que aconteça a troca de posições, mas é, pelo menos, aceitável.
Muitas bobagens são ditas em momentos como este: pelo povo brasileiro, o Massa não devia ter permitido a ultrapassagem; agora será visto como um segundo Barrichello; perdeu o respeito de seus torcedores e mais uma dúzia de pensamentos absolutamente estúpidos. O problema não é com Massa, nem com Barrichello, , nem com Mika Salo , nem com Nigel Mansell, nem com Gilles Villeneuve, nem com Didier Pironi e por aí vai. O problema é a Ferrari. O problema é como a Ferrari lida com as coisas, e isso vem desde os tempos do Comendador.
Diz a lenda que, 1979, ano do último título dos italianos antes da "era Schumacher", o Comendador Enzo Ferrari em pessoa teria chamado Gilles Villeneuve - o sujeito mais pirado que já sentou em um carro de F-1 e, até hoje, um dos maiores ídolos ferraristas - para uma conversa. No diálogo, o Comendador teria pedido ao canadense que abrisse mão da luta pelo título da temporada em favor de Jody Schekter, sul africano, companheiro de Gilles, que teria assentido sob a promessa de que 1980 seria seu ano na equipe.
Essa política faz parte da cultura automobilística deles. Agora, o tiro pode sair pela culatra. Com toda essa repercussão em torno do resultado de ontem, todo mundo vai estar de olho, e qualquer manobra de Alonso sobre Massa será suspeita. Pode ser que em qualquer situação em que Massa esteja a frente do espanhol, o espanhol tenha de ficar ali mesmo para evitar outros escândalos. Em 2002, após o GP da Áustria, Barrichello venceu quatro corridas, pois a Ferrari não tinha mais como tirá-lo da frente. É esperar para ver.

Um comentário:

  1. Só recordando,
    já escrevi em algum lugar por aqui que o Petterson não cedeu o primeiro lugar ao Emersão, em 73 na Itália, deixando o brasileiro mais longe do título que realmente não veio.
    Existem lendas em torno desse episódio mas o que vale é que um piloto (Petterson) queria chacoalhar a jaqueira e outro (nosso amado Emersão) queria facilidades.....
    Quer vencer?
    Tem mais é que ir para cima, mérmão!

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