segunda-feira, 19 de março de 2012

Urbe

O silêncio denuncia que não é dia de trabalho. Lá está a obra posta no meio da cidade, erguendo-se como o vulto de enorme fantasma. Sem estar pronta nem estar sendo construída, parece uma grande ruína. A ruína, no entanto, tem história e, por isso mesmo, tem vida. A construção está lá, parada, sem vida, nem história.
Enquanto isso, na rua que está derretendo de tédio, surge um táxi e o vizinho da frente desembarca, destranca o portão, entra na casa. Não, ali não é a casa, é o ateliê. Ou a casa do namorado, não se sabe bem. Os cachorros ladram e você se pega bisbilhotando a vida alheia, cheio de curiosidade, enquanto o vizinho, sem notar, fecha o portão e arrasta um sacola pesada para dentro.
A obra imensa assiste tudo com uma enormidade assustadora que olha de cima. Com pesadas colunas, espaços vazios e escuros de onde brota um silêncio sem vida que faz o sangue gelar, ela aguarda sem estar pronta ou sendo construída para que, no dia seguinte muito cedo, cheguem os operários que vão dar seguimento à empreitada. Num futuro muito próximo, este vulto fantasmagórico vai se somar aos prédios que estão por todos os lados, contribuindo para tornar os quintais - já tão raros - mais indiscretos.

Um comentário:

  1. Gozado e que pensava nisso essa semana: Esses Onofris sao os reis das metaforas e dos neologismos. Mais ate que Guimaraes Rosa.

    Mas chega de rasgacao de seda: Meu pai veio com a mala cheia de vctorias secret, quer? RA!

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