segunda-feira, 5 de março de 2012

Sobre versos e vocações

Eu me lembro bem do dia em que me tornei poeta - sem querer desrespeitar aqueles que escrevem versos. Uma tarde qualquer de janeiro de um ano que já não me lembro qual era. Caminhava pela praia enquanto o pôr-do-sol fazia um efeito lindo na água do mar, dando uma noção incrível da dimensão do oceano e uma sensação rara de paz pela contemplação. Sentir aquele pôr-do-sol em toda sua beleza me tornou poeta, mesmo que nenhum verso tenha sido jogado sobre o papel. O poeta, como o filósofo, antes de tudo, contempla, e contemplar é muito mais do que produzir.
Felizmente, talvez, não pensei neste dia quando tive que me resolver a respeito de um curso superior. Até porque, de verdade, eu não escolhi um curso superior, escolhi apenas a Faculdade onde queria estudar. Pouco importava o que se ensinava naquelas salas de aula. Minha impressão era de que, ali, a vida ensinava a si mesma.
Embora tivesse sido assim - escolher uma Faculdade sem curso -, havia coisas e pessoas que exerceram atração suficiente para querer participar do que se passava naquele prédio. Porém, é interessante notar que minhas inspirações não vinham de pessoas - meus futuros veteranos - que exerceram a atividade que, em tese, ali se ensinava: João Mendes, pai e filho, Rui Barbosa, Teixeira de Freitas - este eu nem sabia quem era. Os nomes que me atraíram eram de Álvares de Azevedo, Fagundes Varella, Paulo Bonfim, Monteiro Lobato, Guilherme de Almeira e tantos outros. Era dos poetas - e de um túmulo - que eu queria saber, podiam eles escrever versos ou não.
Naquele tempo, ainda nutria algum sério desprezo pela profissão que, fatalmente, exerceria em alguns anos: a advocacia. Advogar era sinônimo de fazer mutreta, alimentar-se de carniça, urubuzar cadáveres, contratos e casamentos em busca de restos caros. Não queria saber dos advogados de jeito nenhum.
Candidatei-me à Academia de Letraz da Faculdade. Fui admitido - todos eram admitidos -, mas estranhei quando, na entrevista, perguntaram se eu era monarquista ou necrófilo. Estranhei também quando vi que alguns poetas realmente não se interessavam por outra coisa que não fazer um socialzinho tomando chá. Mais por preguiça que por desinteresse, abandonei o barco.
Os anos passaram e meus limitados e mesquinhos interesses poéticos foram minguando. Vi-me advogado, membro atuante desta classe urubuzenta. No entanto, emprestando a voz a outros nos sombrios corredores kafkanianos dos fóruns, ficou evidente, pouco a pouco, que a classe que me envergonhava fazer parte não era de toda ruim. Pelo contrário, encontrava-se lealdade, bom caratismo e corações puros em alguns indivíduos.
No fim das contas, não é verdadeiramente importante o que se faz ou deixa de fazer para, no fim do dia, ter comida, um livro para ler e um sofá azul para descansar as pernas. Como diria, em prosa, um desses poetas, "não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade". Por ser livre, posso ser nada e, sendo nada, posso ser tudo e, por ser tudo, continuo a ser íntegro.
Hoje, entre uma e outra classe, prefiro a minha. Só ela, e nenhuma outra.

Um comentário:

  1. Eu não devia te dizer, mas com por-do-sol e poesia, nem precisa de conhaque pra botar a gente comovido como o diabo.

    http://blogdaleilucha.blogspot.com/2011_06_01_archive.html

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