quinta-feira, 15 de novembro de 2018

MEU DIÁRIO

Lá nos anos 60 era comum os jovenzinhos (outros nem tanto) terem seus diários. Serviam para muita coisa naquele tempo sem (por sorte!) redes sociais que tanto afastam as pessoas. O diário guardava segredos como amores platônicos, amores literais, xingamentos aos professores, aos pais, aos vizinhos. Enfim, falar sobre o mundo ao redor e interior.

Em conversa com um amigo resolvi começar a escrever o meu. Comprei um caderno e no dia 25/10/1968, com treze anos, realizei meu primeiro post. Nele cito o colega Nilo, vulgo Chinho, da minha idade e filho de um japonês legítimo (importado do Japão, como dizíamos) que era full pistola. Também a bronca que levei de minha mãe (a famosa dona Alzira) por ter comprado o caderno sem permissão. Dinheiro curto. Morávamos na também famosa Djalma Forjaz, em sampa.

Daí em diante vários escritos descrevendo meu cotidiano. Dias quase sempre iguais. Um ou outro post mais profundos como descrições de acidentes muito comuns na Av. Santa Inês que era mais estreita e sinuosa que hoje, convidando os malucos a pisarem um pouco mais no da direita. Fora isso nada dos amores já vividos e amores secretos apesar de citar algumas musas. Nada de elucubrações filosóficas.  Nada sobre o momento político. Normalmente escrevia à noite e contava sobre os programas da TV. Programas como "Essa Gente Inocente". Escrevia sobre a escola dando apelidos para os professores e colegas. Falava das notas. Baixas, evidentemente.

A última postagem vem na última folha do caderno, em 10/07/1969. Como o caderno tem 50 folhas nota-se que não fui muito diligente. 

Enfim, não dá um livro. Perdi a chance de eternizar a visão de um garoto da periferia ante um mundo em mutação, apesar da ditadura militar.

Na última linha do último post da última página uma observação óbvia "vou comprar um caderno novo". E, lembro que minha saga "diarística" acabou. Não houve o caderno novo.

Para completar a decepção com relação ao diário, minha irmã tomou conta dele. Sim, em algum momento de sua formação escolar ela gostava de brincar de professora. Achou meu diário, que não ficava escondido, e resolveu "corrigi-lo" . Mudou até o nome da capa.

Lá dentro, nos escritos, um enorme "C" de certo e notas. Quase sempre "100", pelo menos.
Já cursava Química em Rib's quando descobri a usurpação. Fiquei puto, guardei o caderno em algum lugar e esqueci.

Aqui entra uma parte não muito feliz da minha vida literária.
Quando estava em Rib's o must era escrever cartas. Não tínhamos telefone e cartas eram "chics".
Escrevia para o pessoal de sampa frequentemente. Fazia uma brincadeira que dona Alzira achava o máximo e véio Mero achar que seu filho tinha dois parafusos a menos. Um ele tinha certeza. Quanto acabava o papel eu envelopava e continuava em outro envelopando até acabar o assunto. Muitas vezes recebiam três cartas que poderiam estar em um envelope só.
Coisa de gênio.
Dona Alzira disse, uma vez, que guardava todas as cartas. Imagino um quarto abarrotado.

O tempo passou. Um belo dia, acho que já casado, pedi a ela as cartas para relembrar tudo que contava. Lembro que falava sobre a política, as manifestações que participava, sobre a bosta dos professores reaças e muito mais. Algumas reminiscências sobre nossa família e a distância, não só física como espiritual, que nos assolava. Estava mudando. Em outra cidade, outras aspirações e vivendo mais politicamente.
De algum modo estas cartas eram um diário.  
Bom, quando pedi as cartas minha mãe disse que tinha jogado um monte de tranqueiras fora. Minhas antigas apostilas, coisas (das quais já falei) que escrevia nas madrugadas na máquina de escrever portátil, cadernos velhos, livros de Química que havia largado em sampa. E, as famosas cartas. Fiquei puto por causa das cartas. E, puto pelo diário. Na minha cabeça ele havia sido eliminado.

Então, outro dia a rainha da mansão apareceu com o caderno nas mãos. Como assim? De alguma forma, que não lembro, ele sobreviveu e estava conosco em algum canto esperando para ser redescoberto. Reli numa noite e houve uma certa decepção pelo conteúdo estéril e erros de português perfeitamente sanáveis. Tá certo que ali está o César Locão, o Chinho e seus irmãos, e etc. Mas, em citações supérfluas. 
Ah, e as notas de minha irmã.

Desta feita não postei o texto acima logo de saída. Normalmente escrevo e solto no blog. Depois releio e me arrependo de certos trechos que acabo por mudar.
Na verdade, resolvi dar um tempo e reli antes de postar. Mudei quase tudo. E, dei uma bronca no Luiz de hoje por criticar o Luiz de ontem. Afinal, aquele garoto sou eu. E, todos já tivemos 13/14 anos e uma visão ingênua sobre o mundo que nos cerca.


"Ana, a usurpadora"







3 comentários:

  1. Valéria (dona da mansão)16 de novembro de 2018 às 13:14

    Ótimo que tenha se aperfeiçoado, estamos aqui para isso... nada de ficar bravo com o menino Luiz!
    Aliás, conheci um Luiz, já adolescente, muito profundo nas suas reflexões. Eu gosto muito desse último!

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  2. Ahahahahaah não me lembro disso! Nem de nenhuma história contada. Que tristeza... :(
    O mais loko é que eu estava aqui com o Bruno contando a história do Lobinho e da Diana. Nossas recordações são tão ricas, que valem altos papos, ou sabemos contar bem nossas histórias, sei lá.
    Depois de sei lá... 50 anos? Eu te peço desculpas. Devo ter apanhado por apropriação indevida.
    Lembra do cofrinho? Ele deve estar aqui em casa ainda. :)

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  3. ahahahahaah. Eu não me lembro disso não! Devo ter apanhado da mãe. Mas acho que não me lembro, pois não havia nenhum babado secreto pra contar... ;)
    O mais loko é que eu estava aqui contando do Lobinho e da Diana para o Bruno nesse momento. Nossas histórias rendem muito papo, devem ser especiais ou a gente sabe contar bem. :)
    E depois de, sei lá... 49 anos? Eu te peço desculpas pela apropriação indevida. Isso não se faz.

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