quinta-feira, 30 de novembro de 2017

FAÇO FILMES

Certa vez resolvi fazer um "farveste" no estilão clássico. Tipo John Ford ou Sergio Leone. Aquelas imagens do deserto e closes de nariz.
Por incrível que pareça consegui financiamento num desses bancos generosos. Tipo pagando uma "taxa" para o desembaraço rápido da grana.
Vamos ao filme.
Começa com o amanhecer do dia. Silhueta de um cavaleiro solitário montado num puta cavalo puxando outro por uma corda. Ao fundo o sol inclemente começa a arder a areia. O personagem se direciona ao vilarejo Drybone. Desses recorrentes nos filmes. Duas ruas, um banco, um hotel com o bar dos bêbados no térreo, um celeiro onde um velho cego de um olho cuida dos poucos cavalos (quadrúpedes) do lugar. E, claro, a garota mais linda do velho, novo e médio oeste. Filha do prefeito, naturalmente. Poeira para todo lado.
O cavaleiro vem lentamente meio curvado no cavalo como se não dormisse há muito tempo. Não vai, no entanto, direto ao destino. Próximo desses lugares sempre há um oásis. Um rio com árvores nas margens e pequena cachoeira. 
Nosso personagem desce o barranco em direção ao rio. Certifica-se que ninguém havia visto sua chegada. Neste ponto, o primeiro close. Um rosto suado, barba por fazer, cabelos desgrenhados e ar cansado. Então, do segundo cavalo surge um verdadeiro estúdio de beleza. Nosso personagem toma um belo banho, com direito à sabonete, faz a barba, penteia o cabelo e passa banha de porco para segurar os longos fios. Por fim veste a roupa com que entrará em Drybone. Calças e camisa preta com filetes dourados.  Botas pretas também com filetes dourados. Chapéu preto com iniciais "K" na frente. Por fim o toque final. Uma cartucheira com dois revólveres Colt 45. Dourados, claro. Trocou a sela do cavalo principal e adicionou alguns adornos. No peito do cavalo, numa correia de couro, uma peça de metal em forma da letra "K". Pensei em mudar algumas coisas nesta viadagem toda. Mas, desisti ao ver Clint Eastwood em alguns filmes.
Montou o equino, subiu o barranco, olhou em direção ao vilarejo e incorporou o personagem. Seu corpo ereto e olhar penetrante. Um leve toque e o cavalo parte em passadas largas. 
O dia começa em Drybone. 
A câmera mostra a rua principal. A outra, menor, corta a principal mais ou menos no meio da cidade.
Vemos uma mãe levando uma criança pela mão atravessando em direção à escola. A criança, uma garotinha, avista o cavaleiro já na entrada da rua e grita para a mãe, chamando sua atenção.
A mulher fita a figura por momentos. Um calafrio percorre sua espinha. Dá meia volta e corre para casa. A cena do homem entrando na cidade, todo de preto, já é conhecida de todo o velho oeste. Vem confusão, na certa. O homem é uma lenda.
Num instante a rua fica vazia. 
A câmera mostra o interior das casas e as silhuetas dos moradores olhando pelas janelas, enquanto lá fora o cavaleiro passa. Finalmente, um velho morador olha para sua mulher e murmura temendo ser ouvido, "é o Killer".
Nosso personagem é uma lenda. Killer é o assaltante de banco mais eficiente que já se ouviu falar. Sua fama precede a chegada nas cidades onde rouba o banco matando quem se opõe. Não tem misericórdia. Dizem que quanto entra e manda todos deitarem ao chão conta até três. Terminado o tempo quem estiver de pé, ou algo assim, leva chumbo. Certa vez, matou um cadeirante que não conseguiu se atirar ao solo.
Pelo olhar da câmera vemos sua vagorosa caminhada até o bar que fica exatamente em frente ao único banco.
Desce do cavalo, dá uma olhada significativa para o banco e adentra ao bar carregando uma pequena mochila de couro.
Para na porta prescrutando o ambiente. Normalmente os habituais já estariam tomando um uísque que matou o padre (não tinha guarda naquela época). Hoje, só o barman treme atrás do balcão.
Dirige-se ao pobre homem fitando-o longamente. Olhos penetrantes de matador. Por fim pede um uísque. Toma de um só gole. Pede outro. Com o copo erguido perto da boca pergunta por um quarto no hotel do andar acima. Sim, quer se hospedar.
Neste ponto uma observação: fiz com que o ator segurasse o copo com a mão esquerda e a direita sempre próxima ao coldre. Um bom pistoleiro não descansa nunca. O ator é canhoto mas, não vem ao caso.
Enquanto Killer descansa no quarto a cidade entra em polvorosa. Ele, certamente, planeja o roubo ao banco.
Os figurões se reúnem na casa do prefeito e dono do banco e dono de quase tudo por ali. Sua filha assiste à reunião entre ofegante, assustada e excitada. Viu a figura de preto e seu coração disparou. Nada nele se comparava aos homens que conhecia. Todos suados, sujos pelo trabalho no campo. A maioria nem sabia ler. Pensou mesmo que o pistoleiro cheirava à colônia.
Começa uma reunião. O gerente do banco choraminga dizendo que não quer morrer. Tem mulher filhos e amante. Lógico que não mencionou a amante. Mas, a cidade é pequena demais para todos não saberem uns da vida dos outros. O prefeito pedia calma e vamos planejar algo. O xerife, um homem já entrado em anos, murmurou algo que ninguém entendeu. O padre, que a todo momento ia até a janela de onde se avistava o banco e o hotel, dizia que era preciso tomar uma atitude porque deus não estava preocupado com aquele fim de mundo. O velho ferreiro, cego de um olho, desanda a contar que ouviu falar histórias das mais escabrosas sobre a lenda. A tensão aumenta. Por fim, o ferreiro diz que Killer estupra as virgens, as casadas, as avós, as mães e mesmo alguma égua (quadrúpede) jeitosa.
A filha do prefeito, Mary Hot, quase tem um orgasmo. Sim, estava apaixonada por aquele misterioso homem.
Enquanto os cidadãos de bem discutem o que fazer ela resolve entrar em ação. Sem que ninguém perceba vai ao hotel, entrando pelos fundos.
A câmera mostra Killer, vestido como chegou à cidade, em pé próximo à janela em prontidão. Hot bate à porta. Killer abre com o revólver em punho. Não se espanta com a presença de uma suposta virgem. Aconteceu em outras ocasiões.
Nesta parte do filme uma cena erótica cabe bem. Dá ibope, como se diz.
Ela entra e pergunta quase num sussurro o que ele quer. Killer, com o famoso olhar paralisante, nada diz. Apenas olha o decote generoso.
Pulamos para a cena seguinte com os corpos nus roçando uns nos outros. Nada como nos filmes norte-americanos onde os caras transam sem tirar a roupa. Aqui é peito e bunda "mermão".
Mary Hot, satisfeita, prepara-se para sair não sem antes anunciar que preparam a defesa do banco.
Killer que estava quieto, nada falou. Só ergueu as sobrancelhas. E, sim, o pistoleiro exalava um perfume de colônia.
Cena seguinte. Fim de tarde. Por volta das quatro horas.
Batem à porta do pistoleiro. Novamente abre a porta de arma em punho.
A cidade enviou um mensageiro. O último da hierarquia. O velho ferreiro que até se mostrou satisfeito em ocupar um lugar na história. Lógico. Poderia ser num caixão, mas, alguém precisava fazer algo.
Começa uma ladainha sobre a cidade de cidadãos do bem e pacífica. Sabem o que ele pretende. Vamos negociar. Evitar um banho de sangue. Estavam dispostos a oferecer um valor considerável para que o pistoleiro desistisse do ataque ao banco. Finalmente Killer deixa transparecer um sorriso irônico. Cidadãos de bem bosta.
Apenas murmura "quanto"?
Cena seguinte. Vemos Killer saindo da cidade ao entardecer. Sol nas costas e andar do cavalo sem pressa. Em dois alforges quantia razoável em dinheiro negociado para não meter bala em todo mundo.
Volta ao barranco sabendo que não vai ser seguido. Já viveu este momento tantas vezes que não se lembra mais. Tudo começou quando plantou notícias em jornais sobre o matador de preto.
Despe seu traje de trabalho. Sai do personagem e volta a ser William Meek um ator sem chances ao estrelato.
Nunca disparou um tiro sequer. A lenda em torno de Killer, seu personagem, fazia com que negociassem para evitar banhos de sangue. Provavelmente sangue dele, uma vez que nem sabia manejar direito o Colt 45.
Cena final. Meek cavalgando em direção ao horizonte com seu puta cavalo puxando outro com seus apetrechos de teatro.
Deixa para trás a cidadezinha de Drybone com os figurões aliviados por evitarem um massacre, um velho cego de um olho que virou herói, ao encarar o pistoleiro desalmado, um coração partido e um hímen rompido.
Sobem os créditos finais.






Um comentário:

  1. Muito bom e divertido!
    Mas verdade seja dita: a propaganda realmente é a alma do negócio.

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