quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Ó SANTA BUROCRACIA!

CAPÍTULO UM

 - Mas, o que vocês dão de brinde?
Pergunta Valéria após a escolha preliminar do modelo.
- xô vê, diz o vendedor.
Eu pensei, enquanto esperávamos, "tapete e protetor de cárter".
- Tapete e protetor de cárter. O vendedor diz em uma entonação que parece ser algo exclusivo. 
Pensei "deveria ter apostado".
Valéria não esconde a decepção, "mas, tem concessionária que entrega o veículo com documentação. Placa e etc."
O vendedor sabe que seu produto é melhor que o da concorrência.
- Mas, não tenho autorização para mais nada do que isso.
Silêncio na sala. Ele sabe que o peixe está na rede. Eu sei que estou na rede. Mas, Valéria não desiste. 
- Mais nada? Tem certeza?
- Vô vê!
Volta com a cartada final.
- Consegui o insufilme!!
"Pôrra! Legal!" Pensei.
Valéria faz cara de conformismo. 
Vamos aos finalmente (como dizem os minimalistas).
- Como fazemos para sair com o carro emplacado?
Pergunto porque os últimos carros seguiram este protocolo. Por que perguntei?
- Se fizer por aqui, como é final de ano, não compensa. Entregamos a papelada toda. Basta ir ao Ciretran. É muito rápido, e, mais barato. 
O tom confidencial, driblando o despachante que trabalha com a agência, convenceu Valéria.
Eu arrepiei ao lembrar o circo de horrores que é o Ciretran. Temos que mentalizar Buda, Ghandi, Jesus, Cristo e o anjo Gabriel para não sucumbir.
Da última vez fui acompanhando uma pessoa que tirou de letra a burocracia e outros obstáculos. Até elogiou a forma de uma gordinha (nada contra as gordinhas) que nos atendia. Não tenho este desprendimento. 
Como dizem os pessimistas, sobrou para mim.

CAPÍTULO DOIS
No dia seguinte lá fui com a tal documentação (um papel esquisito, na verdade) em direção ao Ciretran. Ele fica localizado próximo à estação ferroviária (sim, ferroviária) de Rib's. A referida já nasceu decadente. Quando criança lembro que a cidade acabava ali. Adolescente, morando em sampa, visitando a parentada, descobri que nas adjacências habitavam as "tias". Quando voltei para cursar Química constatei que era verdade. As "tias" ocupavam um bairro inteiro perto da estação. Frequentei este bairro interessado na pesquisa social/educativa/etílica etc e tal.
Reminiscências à parte cheguei no horário de abertura.
O prédio é velho e mal cuidado. Pelo menos o serviço está terceirizado (sabem o que isso significa) e um pouco melhor. A gordinha amiga da Dani não trabalha mais lá.
Esses lugares são engraçados. Existe um pré atendimento que não serve para nada. Nem olharam se a documentação estava em ordem.
"Pega a senha" e espera ser chamado. Obedeci e esperei sentadinho.
- Cento e dezessete, guichê 5, berrou a moça.
Pensei, "cento e dezessete?". Eu era o terceiro, em verdade.
- Quero emplacar um carro zero.
Ela pegou o papel da concessionária e foi para um computador no fim da sala. Logo percebi que não sabia o que fazer. Pegou o celular e começou a mandar mensagens de voz pelo zapzap (santo zapzap, por sinal).
Meia hora depois e um caminhão de papel impresso, lá veio ela.
"Vai no banco, paga isso, paga aquilo, paga aquilo outro, paga isso outro, não esquece de pagar isso, não esquece de pagar aquilo outro. Volta aqui com cópia de comprovante de residência, cópia da CNH..."
Nesta altura disse uma frase que nunca pensei em dizer, acostumado com a burocracia que sou.
- Moça! Será que serei capaz de executar tudo isto?
Ela olhou para mim e, sem piedade, disse.
- É fácil.
Lá fui eu com greve dos bancos, Meu cartão estava com a senha "queimada" (aguardem o post sobre),
Cartão da Valéria que, feliz da vida, estava preparada para pagar centas coisas que nunca vimos na vida.
Agência do banco na esquina. Pelo menos essa facilidade. Piquete na porta para impedir entrada dos "cumpanheiros" fura-greve.
Um ano atrás eu estava na mesma, e triste, situação dos bancários. Perdemos, é verdade. Rogamos praga na Dilma que associou-se aos "do mal" que, enfim, a derrubaram.
Mas, quase ergui o punho e gritei "Tamu junto, cumpanheiros!"
Entrei na agência. Ar condicionado desligado. Quem não mora em Rib's não sabe o que isto significa. Uma hora dentro e dona Gertrudes vai ter mais um leitão assado.
Bom, sou um cara inteligente e letrado em coisas tecnológicas. Quase chorei mas, descobri que por detrás de um ícone inocente como "taxas detran são paulo" existe um universo de opções onde seu dinheiro (suado) é sugado (rimou!) num ralo de taxas, impostos, taxas, impostos e outras coisas que nem quero lembrar.
Quando completei a lição de casa passada pela gordinha (não a amiga de Dani), fui até uma Lan House (sim!) tirar Xerox de tudo o que havia de direito.
Só que não. Lembro que disse para a menina da Lan, "espera que vou acabar voltando. Vão falar que esqueci cópia de alguma coisa".
Voltei ao Ciretran. Nova senha. Conversas desagradáveis entrando ouvido adentro enquanto na fila. Uma senhora (para não dizer véia histérica) dizendo, atrás de mim, para quem quisesse ouvir, que havia ido ao poupatempo e que havia um problema com o documento de seu carro e que isso impedia o licenciamento etc e tal. Logo formou-se uma junta de palpiteiros sobre o problema da véia (nesta altura tornou-se véia mesmo).
Agarrei a primeira terceirizada que passava, expus meu drama (sem citar a véia histérica, sou fino) e perguntei "tenho que ficar na fila da senha?"
A gorda (não a gordinha da Dani) disse entediada. "Sim"
Na verdade ela nem prestou atenção no que eu dizia. "Gorda", pensei/xinguei.
Bom, lá fui eu no mesmo guichê com a mesma gordinha (que, repito, não era a da Dani. Aliás, já disse que ela não trabalha mais lá. Portanto, vamos parar com as lembranças).
 - Faltou o xerox da CNH.
Nesta altura do campeonato, exausto, nem liguei para mais uma lambada no lombo (não rima mas, dói).
Suspirei e disse para a gordinha, "posso vir direto ou tenho que pegar nova senha?"
Ela, com mó dó do véio respondeu "não pode vir direto".
Aleluia.
Voltei para a Lan. "Não disse que voltaria?" A menina (magra demais, por sinal) deu um sorriso irônico como a dizer "foda-se".
Xerox tirado, voltei ao guichê.
Como um eleito pelos deuses (ou "sabe com quem está lidando?) furei a fila. Entre olhares furiosos e flechativos entreguei tudo com olhar de "num guento mais."
A gordinha disse "Tudo bem. Espera que vou entregar o protocolo."
 - Hosana nas alturas.
 Ou algo assim.
Vou lá emplacar o dito?
- Nãããão!
- Depois de liberar os documentos amanhã depois das très pode emplacar na sexta feira.
Bom, depois de toda esta epopeia (nem sei se tem acento) sorri bestamente agradecendo.
E, para que tudo termine bem, nada como cheiro de carro novo.
Tá na garagem dizendo,
"Valeu o sofrimento, classe média?"

Um comentário:

  1. Rarará... pelo menos foi divertido.
    Sei não essa queima de senha ...

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