terça-feira, 4 de abril de 2017

Reclamemos, pois



Às vezes, quando quero tirar um cochilo meio fora de hora, uso como estratégia procurar no YouTube alguma corrida antiga, preferencialmente dos anos 80, com a narração inglesa do Murray Walker. Vejo a largada, as primeiras voltas e, geralmente, acordo já no quarto final do certame. 
"Herege! Como ousas falar coisas assim sobre a F-1 dos anos 80? Absurdo!". 
Não tenho certeza porque não vou assistir de novo esta corrida aí acima, mas dê uma olhada: nas voltas finais, apenas os dois líderes, Senna e Prost, estavam na mesma volta; Senna venceria, com Prost em segundo, mas o brasileiro ficou sem combustível, entregando o lugar mais alto do pódio de bandeja. Quanta emoção! 
Os carros eram, com efeito, infinitamente mais bonitos, os pilotos eram mais interessantes - vejam, na imagem congelada do vídeo, Keke Rosberg, o pai do Nico, dando uma tragada antes de sentar no seu bólido - e, especialmente, estavam menos amarrados à estupidez corporativa que toma conta de tudo hoje no esporte a motor. As corridas, no entanto, não eram tão mais interesses que aquelas que assistimos hoje. 
O GP da Austrália, primeira etapa da temporada 2017, reacendeu todas as luzes de alerta em relação à impossibilidade de que dois carros andem próximos o suficiente para que uma ultrapassagem ocorra; a consequência disto seria "falta de emoção" nas corridas. 
A tragédia já era anunciada. O movimento de resgate da F-1 da primeira década dos anos 2000 era um movimento de resgate da F-1 mais chata que a história já viu. Contudo, é preciso lembrar que a F-1 só é realmente chata para quem não tem lá grande interesse em corrida; por outro lado, ela só é efetivamente legal para quem realmente se interessa por corrida. A categoria, então, se coloca em uma posição incômoda de agradar um público altamente especializado, ao mesmo tempo em que procura atrair os olhos de novos entusiastas. Eis a dificuldade e a maluquice toda de regulamento após regulamento. 
A vitória da Ferrari e de Sebastian Vettel pelo menos criou a esperança de um campeonato disputado, ainda que as corridas em si sejam desinteressantes. 
Da minha parte, fosse chato ou não, eu assistiria tudo do mesmo jeito, e com o mesmo entusiasmo de sempre porque, justamente, gosto muito de corrida. Corridas espetaculares sempre foram exceção, assim como um jogo de futebol espetacular também é excepcional. A F-1, com qualquer regulamento, sempre proporcionará 16 a 20 corridas tão boas quanto um bom jogo de Copa de Mundo.
Então, minha reclamação é contra quem vive reclamando. Deixa de reclamar e aproveite enquanto a F-1 ainda existe com carros que têm motor e quatro rodas descobertas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário