quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Terminal vermelho, amarelo, azul e cor-de-rosa

Corridas de carrinho são eventos estúpidos. A rigor, corridas de um modo geral, sobre automóveis ou não, são coisas estúpidas. De meninos que correm descalços ao redor da casa à Fórmula-1, o que muda é a quantidade de dinheiro que se gasta e o nível de mesquinhez dos envolvidos. O princípio, no entanto - tão lúdico quanto idiota -, é sempre o mesmo: correr muito só para ver quem chega primeiro.
Por muito tempo, nas competições automobilísticas, correu-se de um ponto para outro, em estradas que ligavam duas ou mais cidades. Até hoje, as competições de rally são assim: começa-se em A para terminar em B. Um moço atento dirige o carro e outro moço, mais atento ainda, indica as direções a serem seguidas. No fim, mesmo que não se tenha chegado na frente - e, ainda que não se tenha ido tão rápido -, passou-se por obstáculos e vias desconhecidas que foram descobertas e chegou-se ao ponto final.
Com o passar dos anos, as corridas passaram a ter o mesmo ponto de largada e chegada. As Mille Miglia italianas, por exemplo, eram corridas em estradas ligando duas cidades, Bréscia e Roma. Começava-se em um ponto, terminava-se no mesmo.
A evolução demandou que os carros passassem a ser confinados em circuitos fechados. Na maioria das competições, os pilotos e seus bólidos giram, giram e giram em torno da pista, partindo de um ponto para retornar ao mesmo no final. As Mil Milhas brasileiras, por exemplo, criadas à imagem e semelhança das italianas, giravam no antigo traçado de Interlagos. A distância era a mesma que os destemidos pilotos percorriam no velho continente, mas partia-se da charmosa reta entre o Café e a Curva 1, para retornar ao mesmo ponto mil milhas depois.
Na Fórmula-1, os certames são assim também. Parte-se do grid de largada, percorre-se mais ou menos 305km, para voltar ao mesmo para ali em seguida.
E aí a gente se pergunta: para quê isso? Qual o propósito de arriscar o próprio pescoço, deixar a mulher ou marido, filhos e filhas em pânico em casa, para sair de um ponto, girar, girar, girar, e voltar a ele, inevitavelmente? Quer dizer, corre-se, corre-se, corre-se para não sair do lugar.
Eu não saberia responder à pergunta. De verdade, eu não sei qual o propósito disso. Mas, se olharmos as expressões, os gestos, os abraços entre os homens que giram, giram, giram para lugar nenhum, e aqueles que os esperam no final de tudo, pode-se concluir que alguma coisa acontece naqueles trezentos e poucos quilômetros que dá sentido a tudo:







Vejam que esses indivíduos, acostumados ao ambiente de carnificina que abriga as competições automobilísticas, sempre envolvidos por graxa e truculentos barulhos de motores, não resistem e se rendem aos abraços, como se o ponto de chegada fosse diferente do ponto de partida, como se, no lugar da reta dos boxes, a vista depois da última curva fosse a do próprio paraíso.
Quem sabe não seja esse mesmo o propósito da vida: você parte de um ponto, gira, gira, gira, corre, corre, corre, para voltar ali e ter capacidade para se encantar de novo.

3 comentários:

  1. muito bom.
    os textos estão ficando cada vez melhores

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  2. um dia Nelson Piquet respondeu porque arriscava o pescoço nessas corridas malucas e respondeu: "por grana."
    Se houve sinceridade....
    obs: vou tentar enviar um só comentário....

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  3. um dia Nelson Piquet respondeu porque arriscava o pescoço nessas corridas malucas e respondeu: "por grana."
    Se houve sinceridade....
    obs: vou tentar enviar um só comentário....

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