quinta-feira, 21 de maio de 2020

POLICIAL POR QUARENTA MINUTOS

Senta que lá vem história.
Em 1975 o clã Onofri morava no famoso Conjunto dos Bancários, alto do Mandaqui, sampa.
Zilhões de predinhos com oito apartamentos em cada entrada.

Da nossa sala era possível avistar os fundos dos apartamentos que ficavam na rua abaixo da nossa.
As salas ainda tem verdadeiras portas dando para o meio do terreno entre as ruas. Tudo bem, são feitas de ferro mas, nos apartamentos térreos servem de passagem como uma porta dos fundos. Normal a molecada pular para o terreno.
Mais ou menos assim,



Naquela época este que vos tecla assistia ao vídeo tape dos jogos de futebol das quartas feiras. A transmissão começava por volta das onze.
Lá estava compenetrado vendo um jogo tão enfadonho que resolvi olhar pela janela/porta.
Pois no apartamento do prédio do outro lado do terreno vi a cena.
Sabia que uma família havia acabado de se mudar para o lugar.
Duas pessoas forçavam a porta/janela. Gelei.
Não conseguiram abrir e foram para a janela de um dos quartos.
Um filme passou na minha cabeça. No dia em que mudamos para o apartamento, no térreo,  fomos para um aniversário de família. Na volta descobrimos que tentaram entrar pela porta/janela.

O mesmo se passava com o vizinho.
Bom, no nosso predinho de oito apartamentos só dois contavam com telefone, que era algo caro para burro.
Um vizinho do apartamento bem sobre o nosso possuía. Era um casal praticamente em lua de mel.
Cumprindo o que se espera de um cidadão de bem fui bater na porta. Quem atendeu foi a garota.
Meu olhar esgazeado a assustou mas, consegui explicar o que se passava. Ela foi olhar e constatou a tentativa de arrombamento.
Mas, não quis ligar para a polícia. 
Liguei.
Voltei para nosso apartamento e constatei que, ou os meliantes haviam conseguido entrar, ou desistiram uma vez que não mais os avistei.
De qualquer maneira, retornei ao futebol.

Uns dez minutos depois batem à porta. A garota vizinha puta da vida. Disse que os home estavam ligando para ela dizendo que não achavam a rua naquele emaranhado.
Ela era nova no bairro e não sabia. 
Enquanto raciocinava ela disse que os home pediram o endereço dela para uma explicação tipo google maps (que, evidentemente, não existia).
Não consegui recobrar o fôlego imaginando a pobrezinha tendo que explicar o endereço para os home quando ela deu falou "se vira que a criança é tua."

Resumindo: lá fui eu para a rua, mais ou menos meia noite, de bermuda, camiseta e chinelo.
Entra na rua a famosa Veraneio "mamãe meto bala".
Falei que era na rua paralela. Nem me ouviram. 
"Entra aí"! Foi a ordem. 
Entrei. Os caras com os 38 na mão e umas metralhadoras do tempo do onça.

Por incrível que pareça fomos para a rua dos acontecimentos e eles conseguiram chegar à entrada fatídica. 
"Vamu lá"! 
Lá fui eu junto.
Fomos dar a volta no prédio. Notei uma menina de cabelo curto e o namorado sentados na porta de entrada. Ali já pensei "deu merda".
Um dos home mandou que ficassem pianinho (sei lá o que isso quer dizer) e plantou-se na entrada.
Nós (nessa altura já me considerava um integrante da SWAT) fomos para a parte de trás do prédio.
Sim, não conseguiram abrir a porta/janela. Sim, conseguiram abrir a parte de fora da janela do quarto. Estava escancarada. Um policial acabou de abrir a dita e o mané foi espiar para dentro. Afinal, já era da turma. Só não estava armado.
Imaginem. Um cara de chinelo, bermuda e camiseta. Bom, levei um safanão de um dos home que perguntou se eu era louco. Se alguém estivesse lá dentro e armado?

Resumindo de novo. A janela de vidro estava fechada.
Fomos, frustrados para a frente do prédio. Como havia chovido meu chinelo, Havaianas, foi para o brejo. 
Chinelo na mão observei os home enquadrarem o casal. Quatro sujeitos, armas na mão, frustrados por não meter bala em ninguém. Começam a interrogar os dois na base "que tão fazendo aqui?" "Cê trabalha meu irmão?" Acho que eles mijaram na roupa. Os meninos, claro.
Nesta altura eu também era um exímio detetive. Perguntei se eram eles que estavam forçando a janela lá atrás. Os home não gostaram de minha interferência mas, até então não perguntaram nada positivo e operante (como eles gostam de dizer).

A verdade veio à tona. A menina era empregada doméstica da família que tinha acabado de se mudar. Não tinha chave. Saiu com o namorado e o pessoal foi para sabe-se lá onde. Resolveram arrombar a porta/janela e a janela. Sem lograr êxito, como os home gostam de dizer.

Meninos, ainda bem que não estava armado (brincadeira). Fiquei puto. Brandia o chinelo estourado na mão dando mó esporro nos dois. 
"Cêis são lôcos?" "Pensei que eram bandidos!"
A menina de cabelo curto parecia um menino.
Quando acabei o discurso notei que meus colegas estavam dentro da viatura me esperando. Pensei que, já que não conseguiram nada, iriam me dar umas porradas por fazê-los perder tempo.
Expliquei que era perto. Iria a pé. Mágina dar trabalho.

"Entra aí!"
Fodeu. Pensei.
Mas, os caras estavam mais calmos que eu. Pedi desculpas pelo engano. Falaram que tudo bem. A maioria das chamadas terminavam daquele jeito.
Fiquei na porta do predinho olhando meus companheiros irem embora já com saudades da adrenalina.

No dia seguinte fui explicar o ocorrido para a vizinha. Ela nem me ouviu. Daí em diante nem me cumprimentava.

E, assim terminou minha vida de policial. Quarenta minutos com o coração na mão.
Por sorte, no ano seguinte vim cursar Química em Rib's e a vizinha não precisava mais atravessar a rua toda vez que me via.


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