quinta-feira, 21 de maio de 2015

OUTRO MUNDO

Chegamos um pouco antes da hora marcada. A estranheza começa com a recepção vazia.
Demora do ator principal já esperada mas, da recepcionista?
Finalmente ela chega e começa a história do preenchimento de fichas. Começo a pensar num aplicativo onde preencheríamos todos esses dados básicos. Esse pessoal burocrático acessa o link e pronto. Nada de nome de rua, bairro, time de futebol, e chatices do gênero. Já deve existir, penso.
Uma hora depois chega o ator principal. Animado, dando bom dia e saindo em direção ao corredor tenebroso.
Vamos lá, aparece alguém com sacolinhas plásticas na mão. Tranquilo me despeço e vou sendo gentilmente empurrado pelo corredor tenebroso. Coloco aquela merda de camisola que, se descuidar, fica com a bunda de fora. 
Vamos para a sala tenebrosa. Gelada, como eu gosto, equipada com aparelhos de última geração (uma surpresa). Porém, a engenhoca que vai me destrinchar parece da década de cinquenta.
Duas pessoas me preparam enfiando agulhas, receptores elétricos, depilando parte do corpo e tudo o mais. Conversam amenidades entre si e algumas coisas comigo. Uma diz que vou poder assistir na TV.
Nem a pau. Um monitor gigante posicionado próximo aos meus pés. Tá bom. 
Pergunto. Não vou apagar?
Não, responde a indignada pessoa. Tem que ajudar no exame. Penso em responder que então vou querer desconto. Melhor não. São profissionais. 
Entra o personagem principal. Está com uma roupa escura por cima do jaleco branco. Parece um cavaleiro medieval sem parte da armadura. Seguro meu riso. O cara é profissional. Está literalmente com a mão na agulha. Melhor não.
Vamos começar. Sim. Estou tranquilo. Sim. O efeito da anestesia se faz presente. Sim. Não sinto nada. Já começou? Sim.
Há um aparelho redondo do tamanho de uma panela de pressão acima de minha cabeça. Ele atrapalha a visão do teto. Tento fixar o olhar num ponto escuro. Não pensar em coisas que podem dar errado ajuda.
Pensamentos pessimistas adoram surgir nesta hora. Lá vou eu pensar em como somos frágeis. Que lugares assim não são legais para estar deitado. Que aviões caem. Que não damos valor à vida regrada. Levo meu pensamento para figuras bucólicas. Tento visualizar uma cachoeira. Daquelas que servem de wallpaper em meu computador. 
Encha os pulmões e não solte. Tá bom. De novo. Agora erga um pouco seu corpo para a direita. Porra, todo ligado desse jeito? E se um fio desse escapa? Nada aconteceu. Ótimo, isso mesmo.
A maca onde estou começa a se mover. Para um lado para outro, sobe e desce. O aparelho redondo também se move. Incrivelmente, por sinal. Perto de minha orelha, desce até o umbigo. Perscruta meu coração, alvo do ator principal. Vai sentir um calor. Só resta um ajudante na sala. Ao comando injetam o tal contraste. Sinto calor. Normal. Meu corpo esquenta. Puta merda. Será que vou cozinhar por dentro. Passou? Passou.
Mais uma vez. Lá vamos nós. Você é uma pessoa tranquila. Como assim? Está relaxado. O exame vai bem melhor assim. Ah, ah. Penso. Esse cara não me conhece.
Esse é um aparelho de Raios-X? Sim. Por isso a roupa de cavaleiro medieval. Foda-se o paciente. Estou a salvo.
Acabou. Estava controlando o horário num relógio gigante na parede da sala no meu lado esquerdo.
No horário em que um dos ajudantes disse que acabaria. Bom.
Colocam um curativo apertando meu pulso. Para não esguichar sangue. Ah. Tá legal.
Minha parceira de toda vida, branca feito papel, aparece no quarto e pergunta como foi.
Como dizer?

Um comentário:

  1. Incrível maneira de descrever uma situação dessas ... eu que sempre penso que sou a otimista da relação... ledo engano... ainda bem!

    ResponderExcluir