quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Voo noturno

Estava lá eu, sentando na poltrona do avião, esperando, em pânico, os procedimentos. A porta ainda estava aberta, muitas pessoas entravam e saiam da cabine de comando, inclusive o comandante. Depois de muito vai e vem - que estimulou minha imaginação a falar muitos problemas que seriam, certamente, acochambrados e não informados aos passageiros -, nosso capitão pegou o microfone e nos contou que havia um problema no ar condicionado que afetava o mecanismo de pressurização e exigia que o avião voasse mais baixo, ocasionando maior consumo de combustível, mas que, em uma hora, estaríamos aptos a sair do chão. 
Para mim, o avião tem sempre um problema que eles não nos contam porque isso atrasaria todos os voos da companhia e muito dinheiro seria perdido. Então, é melhor voar com problema, arriscar matar uma centena de pessoas, que sofrer um grande prejuízo por causa de aviões que ficaram em terra. Nesta linha de raciocínio, se se chegou a reportar um defeito, é porque o negócio era grave mesmo e devia ser quase impossível que a aeronave decolasse sem um desastre. 

_ Você deveria ir falar com o comandante. 
_ Você acha? 

E fui eu falar com o comandante. Consultei a comissária de bordo sobre a possibilidade de ter uma conversa com o chefe do aeronave. Ela entrou na cabine, trocou três palavras em poucos segundos e me convidou a entrar. 

_ Com licença, comandante. É que tenho medo de voar e, com esse problema... 

Ao iniciar uma conversa confessando um medo, uma fraqueza, senti-me como uma criança que precisa de cuidados. Ao mesmo tempo, veio a sensação de que confessar é ser honesto consigo mesmo e com os outros. 

_ Veja este o relatório que fiz a respeito do problema. Aqui estão os procedimentos de manutenção. A gente pode voar com apenas um dos sistemas, mas a altitude fica limitada a 31 mil pés. Tá vendo aqui?  Veja a autorização que acabamos de receber para voar nesta altitude. Não se preocupe, já pedi o reforço de combustível. Se precisar de alguma coisa, estou à disposição. 

Assim, me despedi do atencioso comandante e comecei a caminhar para fora da cabine. Os mecânicos estavam cuidando de colocar tudo em ordem lá fora, a porta estava aberta e a escada disponível. Caso achasse tudo aquilo um absurdo, que, na verdade, os pilotos estavam escondendo algo maior, poderia caminhar para fora da aeronave, ninguém me impediria. Poderia, por outro lado, confiar naquelas pessoas, seguir o corredor rumo ao meu assento e enfrentar o medo. 
E vejam se isso não parece com a vida: eu sei lá de onde veio o medo do avião; sei, por outro lado, de onde vieram outros medos de situações catastróficas que derivam de ocasiões em que pessoas escondem um defeitinho de fabricação na aeronave. Enquanto a porta não se fecha, você pode entrar e sair do avião à vontade. Mas ela fecha, estejamos do lado de dentro ou de fora. Se ficarmos para fora, vamos ouvir as turbinas que aceleram, ver as decolagens, os pousos, imaginando o que se passa dentro da fuselagem, sem experimentar a sensação de estarmos suspensos no ar. Se entrarmos, pode haver turbulências, um céu escuro que não permite ver a linha do horizonte com nitidez e que nos obrigue a acreditar que os instrumentos não estão mentindo; pode haver muito medo, é verdade, mas, se entrarmos, em poucas horas podemos chegar a um lugar melhor, ou recebermos o prêmio por tentar.

2 comentários:

  1. Ah ah!
    se o chefe do blog viesse no voo do dia seguinte (famoso JJ 8019) iria se borrar com a tormenta.
    Eu, com fama de medaço de avião, todo pimpão fuçando na TVzinha e as pessoas em volta vomitando e coisas do gênero.
    Até a rainha da mansão comportou-se como uma lady.
    Não saiu do salto.
    Pena que quando conseguimos comer alguma coisa já descíamos em Guarulhos. Arrancaram o macarrão de minha mão.
    Sacanagem!

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  2. A confissão faz bem à alma!

    Mas na real acho que o senhor autor bancou o superhero porque tinha um anjinho ao lado e o medo de perder a companhia foi maior.

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