quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O CLUBE

Mais uma do “seu” Homero.
Como já falei o único interesse dele em relação à F1 era me atazanar perguntando o tempo todo se o “Fintinpaldi quebrou”. Outra característica do meu pai era o lado, como dizem os jovens de hoje, “sem noção”. Nos morávamos na zona norte de São Paulo. Pois ele cismou em arrumar um clube para o deleite da família lá onde o Judas perdeu o calção. Sinceramente não sei o nome do bairro. Sei que era às margens da represa Billings, na zona sul. Pertinho, pertinho. Para chegar lá era preciso pegar a famosa via Anchieta. Além da distancia havia o problema da churrasqueira. É que para garantir a carne queimada e a cerveja quente o sujeito era obrigado a estar no clube na primeira hora, ou seja, por volta das nove horas da manhã, para poder entrar na briga por uma churrasqueira. Muitas vezes era preciso sentar, literalmente, na dita cuja. Então era assim. Saíamos, ainda de madrugada de domingo, lá da zona norte, íamos pela Anchieta e seus belos congestionamentos até a Billings. Imaginem o tempo gasto. Não havia a Imigrantes e toda São Paulo queria “descer” para Santos no domingo. Mas, o drama era quando pegávamos a estradinha de terra para chegar ao tal clube. De duas uma: ou poeira ou lama. Meu pai não era nenhum “Fintinpaldi” e dirigia muito mal, apesar de nunca ter batido feio. Quando a estradinha estava coberta de lama a epopéia lembrava um rallye tresloucado de deixar o Ari Vatanem verde de inveja. Meu pai embicava a Brasília (que não era amarela) na estradinha, acelerava tudo o que tinha direito e o carro desembestava dançando feito cabrocha em escola de samba. Havia um trecho em subida que era o ponto alto da viagem maluca. Quem estava sonolento acordava de vez. O dia mais hilariante foi quando meu pai resolveu pegar embalo para conseguir subir a ladeira cheia de lama. Ele acelerou e a velha Brasília num esforço hercúleo chegou lá no alto e imediatamente começou a descer de traseira. Meu pai continuou acelerando e a Brasília descendo teimosamente ladeira abaixo. Os passageiros vendo a viola em cacos e minha mãe, claro, dando chilique. Hoje acho graça. Mas, na época queria matar o véio. Meu drama pessoal era o fato de irmos ao clube no domingão. E, alguns domingos significavam F1. É bom frisar que as famílias antigas lembravam muito um quartel do exército. O pai era o general e o resto era recruta. No sábado o “seu” Homero passava a ordem do dia para o domingo e aos recos só restava baixar a cabeça. Pois tentei uma rebelião num sábado véspera da corrida em Mônaco de 1972. Pensei até em simular uma doença qualquer, mas correria o risco de passar o domingo num hospital sem TV. Criei coragem e pedi para não ir ao clube. Argumentei que era longe, eu não estava a fim, tinha a corrida, seria um peso a menos no carro e etc. Só não chorei porque homem não chora (sou das antigas). Se bem que choro em alguns filmes por aí, mas é outra história. Para resumir, fui ao clube. Naquela época, em 1972 não havia como gravar programas da TV como hoje. Não havia reprise de corridas realizadas no exterior. Portanto, só quando voltamos da tragédia grega dominical é que soube que o Emerson havia feito uma corrida memorável em Monte Carlo conquistando, depois de “acompanhar” o Regazzoni num passeio extra pista, um terceiro lugar memorável na única vitória de Jean Pierre Beltoise na F1..
Hoje, nós temos vários recursos para assistir o que perdemos ao vivo. Desde a gravação caseira até a maldita Internet e seus tubes. Já falei para o Renato que, assistindo as velhas corridas da F1, eu constato que, nas minhas memórias, elas eram mais fantásticas e disputadas que a realidade. Prefiro as memórias. Além do que, se existissem esses recursos em 1972 eu poderia gravar a corrida e passar ao largo desses traumas que o “seu” Homero me proporcionou. E, hoje não teria nada para contar.

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