quinta-feira, 24 de maio de 2018

FAÇO FILMES

Normalmente recuso certos roteiros que não são verdadeiramente uma obra de arte. Sou um diretor exigente. Um artista das imagens, principalmente. O som muitas vezes atrapalha a mensagem. Lembro que meu primeiro filme de sucesso veio de pura manifestação artística combinada com o fluído cosmológico do espaço infinito. Assim foi a crítica do festival de Gramado onde meu primeiro filme foi inscrito. Tá certo que eu tinha um caso com a pessoa certa . 
O filme era simbólico. Começava com a escuridão da noite e uma luz piscante no horizonte. Ora branca, ora vermelha. Filmava no alto de um morro em Atibaia. O foco era errante, como olhos embriagados. Logo amanhecia e o sol batendo no vale levou a certas questões. O que era a luz e o que significava aquele silêncio durante os cinquenta e cinco minutos de filme?
A explicação era prosaica. Estudante da ECA (Escola de Comunicações e Arte) tinha que entregar o trabalho de fim de curso. Sem ideias na cabeça mas, com uma câmera na mão, convidei uma galera para irmos até um sítio de um conhecido meu. Muita birita e cigarros suspeitos. Pensava em realizar um filme sobre o estilo de vida livre conjugado com o frescor da natureza. Ou seja, todo mundo pelado e uma bela e poética suruba. Acabou não rolando o filme imaginado porque estava frio para cacete. Enrolei-me num cobertor e fui para a beira do barranco pensando em pular e conseguir uma licença médica salvadora. 
Então, avistei aquela luz piscante. Lógico que era um avião. Mas, resolvi que o filme de fim de curso seria sobre a visita de um E.T. que sofrendo um acidente com sua nave e passa o tempo todo querendo voltar para casa telefonando sem ter ideia do número. Algo bem inédito.
Coloquei a câmera no tripé. Estava muito loco e não conseguia focar o avião que faria o papel da nave errante. Adormeci, e o rolo acabou quase uma hora depois. Acordei com um cachorro lambendo minha boca. Resolvi revelar o filme na esperança que os anjos protetores dos diretores bebuns operaram um milagre. Vendo o resultado tive o lampejo que só os gênios tem. 
Entreguei o trabalho. O nome do filme foi "a luz misteriosa que foi e não voltou". Um professor mais loco que eu aprovou, me etiquetou como gênio e inscreveu o filme no festival de Gramado. Categoria "mucho loca".
Catei a presidente do júri, ganhei fartos seios e elogios.  Levei a porra do Kikito para casa e descobri minha profissão. Diretor de cinema. 
Aquele que prepara sonhos (os filmes) tão doces quanto sonhos (os doces). Meus filmes são navios alados. Quem embarca, embarca numa viagem pelo universo de fantasia. Onde tudo pode acontecer e nada também acontece. 
Assim sou eu. Desde sempre mucho loco.

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