quarta-feira, 28 de agosto de 2019

LOUCURAS NA ROÇA - PARTE 2

Voltando aos tempos da fábrica de ácido cítrico.

Naquele tempo havia um setor, separado, chamado extração. Onde o produto dos fermentadores era processado e virava cristal a ser embalado.
A extração era lúgubre. Afastada do resto da fábrica, com cheiros estranhos, calor acima do normal, pouco iluminada, com aquele vapor saindo sei lá de onde, e poucas pessoas trabalhando. Já naquela época as máquinas faziam o maior trabalho.
Preconceitos à parte quem trabalhava ali não tinha muito conhecimento além do necessário. Suscetíveis à superstição e histórias macabras.
Aqui temos que fazer um esclarecimento. Os Matarazzo eram sócios da empreitada. Já decadentes mas, não vem ao caso.
O que vem é que, muitas vezes, eu era chamado (porque eu e não o encarregado da segurança?) a socorrer os trabalhadores que viam o fantasma do comendador Matarazzo pelo vidro, normalmente embaçado, da porta. Era um quadrado pequeno no meio da porta.
Lá ia eu rindo por dentro. Lógico que não havia fantasma algum.
Depois de várias chamadas do tipo ao longo dos dias, chamei o segurança noturno.
Pois bem, a descrição do comendador não batia com a de um idoso. Era um fantasma novo. Aparecia, dava uma olhada lá dentro e ia embora.
O segurança matou a charada. O cara era um ladrão que conferia se a barra estava limpa. Então, se dirigia ao vestiário. O problema é que o dito ficava fechado com cadeado. Havia sinais de tentativa de arrombamento. 
Era um fantasma ladrão chulé porque não conseguia arrombar a porta do vestiário. O mais interessante é que ninguém notou os arranhões na porta até o segurança desvendar o mistério do fantasma do comendador. Foi só reforçar a vigilância e o fantasma nunca mais deu as caras.

Falei sobre a contaminação dos fermentadores. Era uma desgraça porque eram descarregados antes da hora dando um prejuízo danado.
Pois bem. Um dos trabalhadores da área da fabricação trabalhava bebaço quando no turno da noite.
Nem aí. Um belo dia, ou melhor noite, o segurança relatou no livro X-9 o que todo mundo sabia. Não adiantou aconselhar o cara. Ele continuava a laborar cheio de cachaça.
O cara foi mandado embora. Só que o obrigaram a cumprir o aviso prévio.
Então, lá estava eu no labis caindo de sono. Entra o químico industrial encarregado do turno da noite.
Relatou que o cara fez xixi no fermentador número tal. Como assim? Ele abriu a escotilha e xixizou dentro do xarope precioso. Bebaço. De vingança.  E eu quico?
O cara pediu que eu ficasse de olho mas, não falasse para ninguém. Pensei, acertadamente, que zilhões de litros de xarope não iriam dar importância para um xixizinho.
Foi o que ocorreu. Nada de contaminação.Até pensei em perguntar se a porcentagem do produto deste fermentador havia sido boa e relatar a "experiência". Melhor não.

Para encerrar. 
A fauna que trabalhava na fábrica era a mais variada possível. Gente de fora e gente da cidade. Os engenheiros fazendo caras e bocas para a peãozada. Todos os não engenheiros eram peões.
Havia um alemão paraguaio. Sério. Um engenheiro falando português com sotaque alemão/paraguaio. Veio de uma colônia alemã do Paraguai. Risível. Mas, sabemos que muitos alemães fugiram da guerra se estabelecendo no cone sul. Gente inocente e gente culpada. 

Bom, a gente se divertia como dava. Certa vez estávamos numa festa na periferia da cidade. Resolvemos ir para outra festa. Um carioca gente fina encheu o chevetão dele com os "sem carro" e lá fomos nós. Desnecessário dizer que todos para lá de Bagdá.
Naquele tempo as queimadas eram usadas para facilitar a colheita da cana. Normalmente o fogo era ateado à noite.
Nós no chevetão pegamos uma vicinal (estrada de terra dentro de alguma propriedade) e logo avistamos o fogaréu dos dois lados. Meninos, assombra. É fogo e barulho do crepitar da palha. O motorista parou o carro, olhou para nós e disse "ou enfrentamos, ou não tem festa". 
Voltar nem pensar (rimou). Foi unânime a decisão de enfrentar aquele foguinho à toa.
Foi dantesco. Nunca imaginamos que o calor seria tão alto. Fogo em volta do chevetão. Ninguém falava nada. Mas, certamente, todos pensamos que o tanque iria explodir. Ou nossos corpinhos cheios de álcool. Por sorte o trecho não era grande e saímos do outro lado. Olhos arregalados, risos nervosos. Mas, a festa estava salva.




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