sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

GOLEIRO VOADOR

Quando mudamos de Curitiba para Sampa fomos morar na famosa Djalma Forjaz. Eu tinha entre dez e onze anos.
Nas proximidades, descobri um campinho de futebol de várzea que era uma várzea. Entrei no Google Earth e constatei que, hoje, tudo virou instalação da polícia militar porque o campo era encostado na academia do barro branco. O campinho, que era de terra batida, não existe mais.O que existe hoje é gramado e menor.
Mas, vamos ao que interessa.
Havia um barranco usado como arquibancada e desafios de escalada para a molecada. Não pensem que a várzea não era organizada. O time da Santa Inês tinha camisa, time A, time B, timinho (a molecada iniciante) e coisas do gênero. Até vestiário que ficava nos fundos do bar. Lógico que tinha o bar para o aquecimento e desaquecimento dos jogadores.
O time A angariou uma série de desafetos pelos bairros vizinhos uma vez que respeitável. Uma expressão que nunca entendi mas assimilei pelo resto da vida envolvia o bairro Lauzane Paulista. Quando alguém dava um chutão a esmo todo mundo gritava "êêê Lauzane".
Não era propriamente um elogio e, quando o jogo era contra o Lauzane, repetido ad nauseam para irritar os inimigos. Até devolução de bola pelo goleiro era motivo para a chacota.
Havia também um goleiro inesquecível. O Barbosa. Magro de rosto afilado, nariz proeminente e bigode à la México.
Como disse, o campo era de terra batida. De vez em quando o embate era tão violento que a poeira não permitia que víssemos quem estava sendo degolado.
Exageros à parte, Barbosa era um goleiro destemido. Voava feito um falcão em busca da pomba da paz. Eu imaginava que o cara era de borracha. Até que olhei mais de perto.
Barbosa fumava. E debaixo das traves. Como minha mãe era fumante inveterada eu entendia o vício do goleiro.
A molecada da arquibancada murmurava que o cigarro do Barbosa era do capeta. 
Foi aí que juntei alhos com bugalhos. Uma das traves do campo ficava perto do bar e vestiário. A outra fazia fronteira com um belo matagal.
Quando não havia adversários a enfrentar o time A jogava contra o time B. 
Barbosa jogava os dois tempos na trave que dava para o mato. Ou seja, trocava de time. Sem problemas. Era um treino, afinal. E, Barbosa voava como sempre. Fumava como sempre. Como todo fumante dessas coisas do capeta era meio paranoico. Conversava olhando para os lados e desconfiado de tudo. Eu achava o máximo um cara confrontar o sistema fumando maconha ao lado da academia militar.
Pois um belo dia as suspeitas se confirmaram. Barbosa na trave do mato. Pelo caminho de terra que descia até o campo perto do vestiário, aproximou-se uma baratinha. Era um fusca da PM. Veio de boa sem sirene e luzes de advertência desligada. Mas, época da ditadura militar. Todo mundo se arrepiou e esperou. Um dos policiais desceu e começou a bater papo com alguém perto do bar. Alívio geral.
Quando olhamos de volta para o campo, cadê o Barbosa?
Estava agachado, mó medão, no meio do mato de olho no carro da polícia. Melhor dizendo. Um olho no carro e outro no jogo. Ninguém parou o futebol e aparentemente não ligaram para o sumiço do goleiro. E, chute a gol do mato. Sacanagem.
Pois não é que Barbosa saiu da moita, voou feito um gavião alucinado e defendeu?
A arquibancada veio abaixo. Gritos, aplausos. 
Porém, meninos eu vi. Barbosa fez aquele sinal pedindo silêncio e correu de volta para o mato.
Gargalhadas gerais. A polícia, que nada percebeu, foi embora, o jogo continuou, Barbosa voltou para a trava do mato com seu cigarrinho do capeta. E minha admiração para o resto da vida.
O verdadeiro goleiro voador.




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