sábado, 10 de junho de 2017

FAÇO FILMES

Eu faço filmes.
Sobre uma menininha moradora em uma propriedade perto de um riacho. Numa manhã qualquer ela estava no gramado em frente à casa com os  olhos vidrados em direção à água. Sua mãe, recebendo visitas, chamava sua atenção dizendo, "está encantada com o mundo, Princesa?" 
E a menina respondia "Rã-rã". 
"É um belo dia de sol não é, minha Rainha?"
E a menina "Rã-rã".
Todos sorridentes e felizes com a manhã ensolarada e o fim do embargo sobre as casas que perduraram décadas. A família comprou aquela propriedade numa verdadeira pechincha. Não havia mais o perigo da radioatividade.
A mãe pergunta para a menina. "Está com fome, minha princesa?"
A garotinha, linda com cachinhos loiros, volta-se, finalmente, e diz sorridente "Rã-rã!"
Do riacho, enormes rãs saltam em direção à casa. São do tamanho de vacas. E, com mandíbulas de tubarões. E, sim, estão com fome. Mas, não se preocupem. O filme tem final feliz. A garotinha era sim uma rainha. Das rãs. E, sobrevive à carnificina. A cena final do filme mostra a linda garotinha partindo com o exército de rãs, alteradas pela radioatividade, em direção à cidade.


Eu faço filmes.
Sobre um enorme macaco que invade e destrói uma fazenda. Atira vacas e ovelhas para todo lado. Desfere socos em homens e mulheres que viram verdadeiros cacos. Close no rosto do macaco (se é que macaco tem rosto.). Tá. Reformulando. Close na cara do alucinado macaco. Ele notou uma criança em um cesto de vime no fundo do que parece ser um quarto extremamente simples.  Apanha a criança que não solta um gemido sequer. Olha fixamente para o rebento e resolve fazer dele sua refeição. A Câmera afasta-se. O enorme macaco morde a criança. Faz, no entanto, uma careta de nojo e a atira longe, como fez com as ovelhas. A criança cai e espatifa-se em vários pedaços, louça que era. O enorme macaco fita a câmera que afastando-se cada vez mais revela que um sagui fugiu do cativeiro e invadiu o presépio do vizinho. 


Eu faço filmes.
Sobre um sonhador. Década de 60. O homem e os soviéticos (notaram a ironia? Fiz a distinção para conseguir patrocínio da CIA) disputavam a chamada corrida espacial.
Numa cidade perdida em meio ao deserto do Texas mora nosso herói. Desde pequeno fascinado pelos grandes espaços. Quando cresceu tinha certa obsessão pelo cosmo. Com o advento da corrida espacial resolveu que era um escolhido para fazer história. O primeiro homem a pisar na lua.
Contava, nos bares da vida, que iria construir uma cápsula que seria lançada em direção ao nosso satélite. Já havia construído a mira. Era muito fácil.
Como todo filme deste estilo os convivas riam dele. Se os americanos (os homens do início da narrativa)  ainda apanhavam para colocar uma caixa de metal em órbita, imaginem um fazendeiro do meio do deserto. Iria construir um canhão de peido de vaca? Considerou a idéia mas, haja vaca.
Passa o tempo. Bolei aquelas imagens rápidas com um calendário no rodapé.
A câmera desce do escuro do espaço até o centro da cidade mais próxima da fazenda do sonhador.
Precisamente na praça central. Num palanque as autoridades e o sonhador.
O prefeito, véião, e sua fogosa mulher mirando em algum vaqueiro sarado. O cientista louco dizendo que tudo foi calculado. E, tudo daria certo. E, a cidade entraria no mapa.
Lógico, nos meus filmes existe uma certa dose de humor. Portanto, alguém grita em meio à multidão. "A cidade já está no mapa. Vi agorinha mesmo." O engraçadinho leva uma bifa de sua crente (na missão) mulher.
O cientista cético dizendo que tudo daria errado e a destruição viria em forma de.....de......de um enorme estilingue.
Sim. O sonhador seria lançado à lua a bordo de uma cápsula feita de alumínio tendo como propulsor aquele estilingue fincado no meio da praça que seria puxado por tratores até o ponto, exaustivamente calculado, de soltura. Era ele feito de ferro com tiras de borrachas importadas da amazônia. Tudo de primeiro mundo. Tirando a borracha, claro.
Como é um filme esqueçam detalhes como a viagem de volta, roupas apropriadas para as andanças na lua e quetais.
Sob aplausos o sonhador desce do palanque em direção ao estilingue. Trajando um macacão de motociclista, capacete idem. No capacete um desenho feito por ele retratando a si mesmo e o brasão de sua fazenda. Ou algo parecido. Ele é sonhador e não desenhista. Claro, para agradar a CIA,  fiz com que carregasse no bolso a bandeira americana retirada da sala do prefeito. A gulosa mulher do prefeito fez questão de dar uma beijoca na bandeira. E, uma lambidinha porque, nos meus filmes, existe uma certa dose de erotismo.
Sobe a câmera, espetada numa grua. O sonhador entra na cápsula, já instalada no estilingue, sob os aplausos da multidão e avisos ignorados do cientista cético. O prefeito fecha a cápsula. Sua gulosa mulher quebra uma garrafa de uísque (champã é coisa de viado) na dita.
Rufam os tambores. Sim, a escola local mandou sua banda marcial.
Os tratores começam a puxar as tiras do estilingue. Lá dentro, entre lágrimas que não consegue enxugar por causa do capacete, o sonhador relembra toda a sua vida de ilusões e anseios em fazer história. Como todo filme patrocinado pela CIA, existe aquela coisa de família americana suas perdições e reencontros. O sonhador levava uma vida de desilusões. Seu pai não aceitava seus devaneios desferindo cascudos toda vez que falava em viajar cosmo afora. Ou adentro. Seu feito seria sua redenção.
Volta a câmera aérea. Os tratores já perdem o impulso inicial. Começam a patinar. A multidão prende a respiração. Pingos de suor revelam-se nos tratoristas como se eles estivessem fazendo força.
Repentinamente um estalo.  Todos procuram a origem. A base do estilingue não aguentou a pressão.
Arrebentou fazendo com que toda a parafernália fosse lançada em direção aos cidadãos e a cidade em volta. Os tratores são lançados pelo ar espalhando seu combustível. Tudo explode, até os hidrantes. Lembrando que é um filme. Licença poética. 
A cidade praticamente some do mapa, onde seria colocada. Zilhões de mortos. 
Cena final. A cápsula repousando intacta no solo fumegante. Na verdade grama fumegante.
Após algum suspense batidas e a porta é atirada longe. Enquanto a câmera sobe, o sonhador sai do seu habitáculo, arranca o capacete e, olhos esbugalhados observa a cena em volta. 
Fitando o espectador, através da câmera, grita triunfante.
Lua, sua linda, cheguei.

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