quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Um fio de cabelo

Sempre que encontro cabelo na comida, não me preocupo muito. Normalmente, trata-se de um dos meus próprios cabelos caídos. Assim, é melhor não fazer qualquer furdunço, pois é culpa exclusiva da vítima. Não foi o caso, entretanto. O anúncio foi feito ao gerente de forma polida:

"Não vou deixar de ser cliente, mas é bom que se registre. Olha aqui, o cabelo". 
"Eu agradeço. Todos os funcionários usam a toquinha, mas, com os clientes passando pela pista, sempre pode acontecer de cair alguma coisa. Quer se servir de novo?"
"Não, não, estou satisfeita". 
"Pegue uma sobremesa. Não quer?"
"Não, não, obrigada". 

Saímos em direção à rua, sem tomar café. Caminhamos em direção ao Largo São Francisco, tendo de esperar o semáforo para conseguirmos atravessar. Interessante que, agora, os semáforos para pedestres apenas piscam o verde e já voltam a sinalizar em vermelho sem dar tempo de chegar ao outro lado da rua, fazendo todo mundo sair correndo da frente dos carros. Tudo em nome do aumento do bem estar. 
Caminhamos margeando a Faculdade de Direito pela rua Cristóvão Colombo, observando como a cidade estava triste e sem cores, a ponto de ficar ela própria sem sentido. O assunto foi se dissipando conforme nos aproximávamos da Riachuelo. Ao atravessá-la, já no meio do caminho entre as duas calçadas, fazia uma imitação do Mr. Sheffield no The Nanny quando um estrondo nos fez voltar a cabeça. Só fui entender do que se tratava quando vi a moto e a pessoa que a guiava voando em minha direção. Fiquei parado entre a rua e o meio-fio, sem reação. Pensei que a motocicleta iria me acertar e julguei que poderia pará-la com as mãos - uma ideia estúpida que, felizmente, não levei a efeito. 
A roda traseira parou a um fio de cabelo dos meus pés. Estávamos todos bem, exceto pelo susto e pelo motociclista que levou alguns segundos até retomar a consciência. Caminhei até ele, como se procurasse alguma coisa que não sei bem o que era e, então, puxei o celular para discar 192. O policial que estava a postos em frente ao Ministério Público veio correndo em nossa direção e chamou a ajuda por rádio, informando que era sério. 
Enquanto prestava atenção aos procedimentos, pensei que, por muito pouco, não fora um acidente maior. Por muito pouco, não nos envolvemos nele. Se tivéssemos comido 50 gramas a menos, talvez saíssemos do restaurante uma fração de segundo antes do que, de fato, deixamos, sem encontrar um fio de cabelo no prato e outro entre meus pés e a moto. 
Ainda perto do acidentado, ouvi-o balbuciar: "por que ele fez isso?". Eis uma pergunta que não pude responder. Coloquei a culpa na cidade, que anda muito triste e sem sentido.

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