terça-feira, 26 de junho de 2018

RESCALDO

Quando em Curitiba, nos anos 1960, as casas no entorno da vilinha onde o clã Onofri habitava eram construídas, na grande maioria, em madeira. Portanto, suscetíveis ao fogo. Principalmente no inverno devido ao tempo seco e a utilização das mais variadas formas de aquecimento. Desde encanamentos ligados aos fogões à lenha (coisa bem moderna, por sinal). Até o velho e bom fogo oriundo de uma panela qualquer e muito álcool. Olha o perigo. Fogo em ambiente fechado exala gás carbônico que é tóxico. Mas, dona Alzira colocava a tal panela no banheiro para que seu pimpolho friorento pudesse tomar banho. De caneca, claro. Chuveiro era coisa de rico. Pelo menos por aquelas bandas.

Quando ocorria um incêndio imediatamente o planeta ficava sabendo. A rádio peão se encarregava de espalhar a notícia.  Incêndios são belos e aterrorizantes ao mesmo tempo. O fogo iluminava a noite acima do telhado. Depois de algum tempo estourava os vidros das janelas e surgia como se acenasse para a multidão. Os estalidos e barulho das paredes que ruíam faziam parte do espetáculo. Os bombeiros jogavam água à vontade a destruir janelas e portas alimentando o fogo com o oxigênio que entrava. Água de nada servia quando o fogo já estava alto. A gurizada estatelava os olhos. 

Só havia um problema. Não pensávamos nas pessoas que habitavam a casa. Nunca tomei conhecimento de uma morte envolvendo os incêndios dos quais fui expectador. Lembro de voltar para casa, comentando sobre o nada que sobrou e o calor amenizando o frio da noite. 
Mas, em uma ocasião tudo mudou. Meu vizinho gritou sobre uma casa pegando fogo numa rua próxima. Corremos para lá. Era um sobrado todo de madeira. Diversão garantida. Adultos corriam para dentro da casa retirando pertences até o braseiro impedir a entrada. Então, em meio à multidão, surgiu uma figura conhecida. Uma colega minha da escola, a gloriosa Prieto Martinez, passou em prantos acompanhando o que julguei ser sua mãe. 

Então, os incêndios tão maravilhosos passaram a significar dor. Perdia-se tudo. Roupas, móveis, casas. O fogo consumia em minutos a vida das pessoas. Lembro nitidamente do rosto de minha colega. Pânico e desalento para sempre gravados na memória.
Chorei de vergonha dias seguidos. Como podia ter prazer em assistir o fogo consumindo tudo o que as pessoas tinham para sobreviver?
Nunca mais vi a garota na escola. Sempre tive a esperança que sua família tivesse encontrado abrigo com parentes. De vez em quando voltava ao terreno onde erguia a casa. Restou abandonado até minha mudança para sampa.

Desde então não vejo graça nem em fogueiras de festa junina.

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