quarta-feira, 27 de março de 2013

Isso tem que parar

A temporada começa de um jeito muito amargo. Na Austrália, foi a coisa toda entre Massa e Alonso. É óbvio que a intensão da equipe era inverter a posição entre os dois. Adiantar o pit-stop de Alfonso é uma coisa, mas segurar Massa na pista por mais três voltas, quando o brasileiro perguntava pelo rádio se não seria melhor parar - e qualquer telespectador via que era melhor parar -, foi, claramente, uma manobra programada para que as posições se invertessem sem maiores dores de cabeça para o Mimadinho Alfonsinho, a Prima Dona.
Daí vem a Malásia. Eu estava preparado para ficar acordado até às 5h da manhã e ver 40 minutos de corrida, pois choveria em seguida, depois não teria luz para continuar, e aquela merda de todos os anos. Mas não foi assim. Fiquei animado de ver a briga entre Vettel e Webber e, naquele memento, achei a conduta da Red Bull exemplar, ainda mais em contraste com as ordens explícitas do bandido Ross Brawn na Mercedes.
O desfecho já é conhecido: Vettel ganhou lindamente, mas não podia ganhar, Hamilton levou o carro cambaleante até o fim, mas deveria estar atrás do Rosberg, e tudo isso vem dando muito o que falar. Até John Watson ressurgiu das cinzas irlandesas para dizer que Vettel deveria ser suspenso pela equipe. O alemão ganhou três títulos em três anos, com 27 corridas vencidas na carreira. Naturalmente, com esse histórico e com tudo o que ganhou para a equipe Red Bull, suspender o cara é o mais indicado. Tenha dó, Watson.
Tenho vários amigos que me dizem: "se o Senna estivesse no lugar do Massa, você acha que ele se sujeitaria a escoltar o Alonso?" A resposta é que é óbvio que não. Se o Senna fizesse o que o Vettel fez, seria um herói nacional. Mas não foi o Senna, foi o Vettel.
Acontece que a Ferrari, ainda no tempo do Comendador, se colocava acima da competição entre os pilotos. É conhecida a história de que o Comendador em pessoa teria pedido para que Gilles Villeneuve não brigasse pelo título com Jody Scheckter e foi assim que um dos maiores ídolos da F-1 e da Ferrari morreu sem vencer um campeonato.
Esta cultura de "equipe acima dos pilotos" se institucionalizou na década de 90 quando uma corja de bandidos salafrários tomou conta das equipes de ponta. Na Ferrari, a quadrilha formada por Luca di Montezemolo, Jean Todt, Ross Brawn, Rory Byrne e, posteriormente, Michael Schumacher manipulava a posição de seus carros pista. Gente como Flavio Briatore e Tom Walkinshaw, que não tem qualquer ligação com o esporte, bárbaros fazedores de dinheiro sem nenhuma compreensão sobre a nobreza do esporte, comerciantes procurando diversificar seus investimentos e lavar o que havia de sujo, passaram a comandar equipes vencedoras ou potencialmente vencedoras. É conhecido o golpe que Walkinshaw deu na Arrows, o que, inclusive, atrapalhou fundamentalmente a carreira de Enrique Bernoldi.
Não existe qualquer razão esportiva para não deixar os carros da mesma equipe brigarem na pista. O que a equipe quer preservar é o seu patrimônio e o lucro dos seus acionistas. Nada mais. Por isso, essas ordens de "não passe", "não brigue", "fique na sua", "cuidado com os pneus", "não assuma o risco", são pura bandidagem, fruto da estratégia de maus elementos que tomaram conta do esporte.
Então, o menino vai lá e desobedece a equipe. Antes de tudo, o piloto é educado para pilotar visando vencer. Nenhum moleque vai andar de kart para não brigar para vencer. O instinto que te leva a sentar em um automóvel de competição é ir o mais rápido possível e mais rápido que todos. E, então, quando ele se torna o mais rápido, o mais rápido de todos, a própria equipe o pede para poupar, ficar atrás, levar o carro de volta para a garagem.
Imaginem um jogo de futebol em que os times combinassem que jogariam sério até os 25 minutos do segundo tempo. Dali em diante, porque estava fazendo muito calor, eles tocariam a bola até o fim, sem correr muito, sem cansar, o resultado ficaria como estivesse. Todo mundo ficaria indignado, mas é exatamente isso que tem acontecido no esporte a motor.
O carro é um instrumento para o talento do piloto; a equipe é, nada mais, que um instrumento para o piloto. Ser piloto de Grand Prix sempre significou correr para ser o mais rápido, para vencer e, então, levar o nome da equipe ao prestígio. Mas sempre, ao longo da história, o nome do piloto vencedor aparece em primeiro plano e, só depois, é que se vai olhar qual a escuderia. Repito: em Grand Prix, a equipe é instrumento. Se a ideia não é essa, que coloquem os pilotos para correr no mesmo carro, como acontece no endurance. Enquanto não for assim, quem vence é o piloto, quem briga é o piloto, quem põe seu pescoço à prova toda corrida é o piloto, o risco é dele, e a única coisa que compensa isso tudo é a vitória. Se o indivíduo mais rápido vai ser privado de brigar para vencer e concordar com isso, melhor é mesmo ir vender pastel na feira ou jogar golfe.
A F-1 tem seus bandidos e alguns estão nomeados acima. Sebastian Vettel não é um deles.

"If you no longer go for a gap that exists, you're no longer a racing driver". 

2 comentários:

  1. Rá!
    Chefe do blog mais indignado que eu.
    Grandes falas.
    E, essa entrevista do Senna ao Stwart mostra bem a dor de cotovelo do piloto escocês. Nunca engoliu bem que outros pilotos fossem melhor que ele.

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  2. texto fantástico
    digno de qualquer cronista profissional

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