quinta-feira, 28 de novembro de 2019

O DONO DA BOLA

Começo lembrando um episódio de minha infância que ilustra bem o que o dinheiro faz pelo esporte e quetais.
Morava em sampa, na então Av. Santa Inês, e gostava de jogar bola "cozamigos".
Era assim. Normalmente a gente jogava na rua que desemboca na famosa escola G.E.S.I, onde estudava.
Olhei no "Maps". Era no entrocamento das ruas Sgt Advíncola e (hoje) Av. Capitão José Parada Gonçalves.
Lembrando que naquele tempo tudo era mato. Quase não havia movimento nas ruas em questão.
Mas, já havia o asfalto a ferir nossos pés. A maioria jogava descalço ou de chinelos. 
Bom, um belo dia "capinaram" o terreno ao lado da rua e construímos um campinho. Nada de traves. Coisa de várzea mesmo. Tijolos, pedaços de pedra, chinelos, e irmãos menores serviam de trave.
Outro problema era o que usar como bola. 
De plástico uma merda. A gente dava uma bicuda e ela saía em zig-zag louco pelo campo sem atingir o alvo. E, furavam à toa. Qualquer unha comprida dava cabo da redonda.
A chamada bola de capotão era cara e ninguém tinha dinheiro para tanto. Nem para a vaquinha.

Porém, um belo dia tivemos uma surpresa. O pai de um menino novo no bairro colocou traves de madeira no campinho de terra. Sem rede o que seria um luxo extremo. 
E, forneceu uma bola de capotão. E ainda mais. Botou ordem nos times. Dali para a frente times com e sem camisa. A gente estava acostumado com a balbúrdia em termos de identificação dos amigos e inimigos. Muito comum lançar a bola para um adversário e culpar ou o vento ou a redonda. Míopes sofriam porque era melhor jogar sem óculos a correr o risco de perdê-los numa bolada qualquer.
Mas, logo descobrimos que a pré-história do campinho era melhor.
O pai exigia que o "meu garoto" jogasse. E, no melhor time. Que ele escolhia. 
Para piorar o "garoto" era menor que os outros jogadores e jogava mal para cacete. Qualquer trombada no pimpolho resultava em queda e advertência do pai à beira do campo orientando os dois times. Sim, técnico duplo.
Nós passamos a jogar com todo o cuidado para não acertar a canela ou cabeça do filho do home.

Até que chegou o dia do dia em que tudo acabou em risos e lágrimas.
O pai não apareceu para o evento de sábado pela manhã.
O bambino filho veio com a bola.
Começa o espetáculo. E tome porrada represada no garoto mimadinho.
Noves fora ninguém passava a bola para ele.
Até que houve aquela explosão de mimadice em grau 10 da escala Richter.
O filho do home pegou a bola e saiu do campo choramingando e dizendo que ninguém passava a bola para ele. Portanto, não haveria mais jogo.
Rimos do moleque e depois choramos a perda da bola. Não havia nada para substituí-la.
Nossos jogos perderam a graça amadorística. Com o tempo poucos apareciam e o campinho ficou meio que abandonado.

Mais tarde mudamos da Santa Inês, mudei de escola e nunca mais fui ao campo. Mas, lembro bem do dono da bola encaixando o filhinho no melhor time e berrando na beira para lançarem a bola para o perna de pau.

Pois é. 
Na F-1 não é diferente.
Papai Stroll, um quaquilionário, comprou uma equipe para seu filhote Lance. Um braço duro.
No ano passado um tal de Michael Latifi enfiou zilhões de abobrinhas no rabo da equipe Williams.
E seu filhote braço duro, Nicholas, vai sentar no cockpit que foi de Kubica em 2020.
Se o esporte continuar assim logo logo o campinho vai estar abandonado.


"meu garoto no melhor time (só que não)"

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