sábado, 1 de agosto de 2020

PAULADA NA BURGUESIA

O título é exagerado mas, o ocorrido tem significado especial para este que vos tecla tantos anos depois.

Estudava, o antigo ginásio, no inesquecível Ginásio Estadual de Santa Inês. Hoje não consigo "ver" no maps porque o complexo de salas, que era da Polícia Militar (uáu!) foi devolvido.

Mas, o que importa é o que relato.
Naqueles tempos (ditadura militar e conservadorismo muito parecido com o que temos hoje) o sujeito estudava onde o aceitassem. Não recordo os requisitos para ser aceito em uma escola. Mas, meu tio Mário era inspetor de ensino, e explicou para nós (os Onofris) que eu, saindo do ginásio, iria estudar numa escola que oferecia o curso colegial no "bairro" onde morasse. Se fosse aceito. Caso contrário haveria uma peregrinação por vaga onde houvesse.

Complicado? Até que não. Até hoje pais acampam defronte escolas tentando vagas para seus rebentos.

Mas, algo diferente ocorreu em 1971 (faz tempo, nhein?).
Alguém determinou que haveria um vestibulinho nas escolas que ofereciam o curso colegial. Todos os habitantes do planeta participariam. E, quem obtivesse nota entrava. 
Até aí, como sempre digo, Ulisses está numa ilha cercado de beldades. Tancredo morreu.
Perguntamos para meu tio Mário que explicou.
Vai lá e participe do vestibulinho na escola que lhe aprouver.
Se passar vão ter que te aguentar (rimou).
Bão, as escolas: Havia uma, no sentido do Horto Florestal, que era novinha em folha. Problema: longe, sem ônibus e caminhos ideais para ataques de zumbis sedentos de sangue (e carne) de branquelinhos gordinhos (eu).
Outra opção era o famoso Grupão 

"Grupão hoje (2019)"
Era relativamente perto, morávamos na Av. Santa Inês, e não dependeria de ônibus. Problema. A fama de alunos baderneiros. Tinha medo de levar surras diárias.

Então surgiu o motivo do post. A escola da burguesia. O famoso Cedom.

"que fizeram com você, Otávio"

Era, na época o Instituto de Educação Dr. Otávio Mendes. Na Voluntários da Pátria. Defronte à caixa d'água referência da região. Tipo "vai em qual endereço? Ah, duas ruas para baixo da caixa d'água".
Enfim, uma escola para os patricinhos e patricinhas do bairro São Paulo na parte nobre da zona norte.
Problema. Os pobres não eram, até então, aceitos. E, dependeria de ônibus. 

Corta para o Gesi. (Ginásio Estadual de Santa Inês).
Enquanto lá em casa a discussão girava em torno do longe e do problemático, mesmo porque queria estudar à noite, dois professores entram para revolucionar a bagaça. 
Eram prôfes (como meus alunos me chamavam) de matemática. Eram jovens estudantes da Poli-USP.
Eram "cabeças". Eram antenados. E, queriam fazer história. 
No sentido de nos ajudar a entrar na escola dos burguesinhos.
Reuniram os alunos e apresentaram um plano. Dariam aula aos sábados à tarde para nos preparar para o vestibulinho.
Aulas grátis. De graça. Sem custos.
Lindo.
E, assim foi.
Eu, apesar de ser um cuzão, resolvi entrar nessa batalha contra "o que ali estava". Eh, eh.

Confesso que foi legal uma vez que eram verdadeiras aulas particulares. A matemática que era algo inatingível virou algo que não entendia mas, dava para quebrar um galho. Não lembro quantos alunos participavam. Lembro que os dois sempre falavam que seria uma paulada nossa entrada numa escola de burgueses. O vestibulinho consistia numa prova de matemática, português e conhecimentos gerais.

E, sim. Entramos. Quero dizer, a maioria. Fui com Dona Alzira olhar a lista dos aprovados lá no CEDOM.
Meu nominho estava entre os primeiros.
Pela primeira vez na vida me senti um vitorioso. Como muitos de meus colegas.
Naquela altura do campeonato não havia mais contato com os meninos que dedicaram muitos sábados de suas vidas a nos preparar. Lógico que estavam orgulhosos. Lógico que, se pudesse, daria um abraço nos dois. Infelizmente não houve esta oportunidade. Mas, sempre lembro e dedico muita energia boa.

Primeiro dia de aula. Nós, os suburbanos, estávamos em sua maioria. à noite.
Mas, o que seria uma humilhação para os da periferia, foi uma consagração.
A diretora da época (não vou dizer o nome porque o chefe do blog tem medinho de ação) foi de classe em classe no primeiro dia de aula.
Fez questão de citar os antigos alunos do ginásio (do bairro) que, agora, estavam no colegial. Todos cheirando talquinho de mamã apavorados com a "perifa".
E, para completar, disse que a escola era obrigada a aceitar alunos vindos da periferia. Palavras dela.
Se fosse pela vontade da diretoria estaríamos fora. Palavras dela.
Por dentro, eu e meus "revolucionários" colegas bradávamos "chupa véia"! 



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