sábado, 3 de agosto de 2013

Conflitos

Foi há aproximadamente dois anos que elas começaram a habitar minhas noites. Cenas de guerra, guerrilha urbana, fugas assustadoras que me fazem, vez ou outra, acordar sobressaltado no meio da madrugada. 
No início, parecia fácil entender de onde vinham tais pesadelos, pois meu subconsciente fornecia outras pistas para entender a inquietude. Frequentemente, durante o sono, eu era chamado a provar minha lealdade e firmeza de caráter ao ser atirado a situações embaraçosas em que pessoas conhecidas procuravam me desestabilizar com artimanhas, às vezes, vulgares. 
De fato, aquela era uma época em que meu ânimo se dividia entre o "faça" e o "não faça", o "espere" e o "não espere" e o cabo de guerra entre diferentes inclinações explicaria o conflito no meu sono. Entretanto, o realismo das imagens nunca consegui explicar. Não gosto de filme de guerra, não estudo estratégias militares, nunca tive uma especial inclinação para a guerrilha, mas, ainda assim, aparentemente, meu cérebro é capaz de recriar quase ex nihilo os mais complexos campos de batalha. Já estive em uma cidade medieval prestes a ser invadida; ajudei a esconder um guerrilheiro que, suponho, era vietinamita, na zona rural de Ribeirão Preto -  o pior é que nos acharam; vi de perto enorme troca de tiros entre duas infantarias sem encontrar abrigo seguro. Um dos meus cenários favoritos, no entanto, apareceu há poucos dias: era a Guerra Civil espanhola e, no meio de uma batalha, tive a chance de trocar algumas palavras com Ernest Hemingway. Aviões franquistas aproximavam-se da vila onde estávamos e eu deveria confrontá-los no ar. Obviamente, estava apavorado e Hemingway me aconselhou a ficar em solo, realizando outras tarefas e, caso a vila chegasse a ser bombardeada, deveria providenciar para que as pessoas fossem salvas. 
Acordei sentindo-me como uma personagem de Woody Allen. Cheguei mesmo a compor uma cena, em que o próprio cineasta diria, aflito, com as mãos a frente do corpo em direção ao interlocutor: 

"I had this crazy dream, I was in Spain and it was the Civil War. I met Hemingway and he told me not to get on the plane because I was too frightened. I'm a mess, I don't know what to do. I have to tell Nicky". 

A razão de encontrar Hemingway é fácil de entender. Tenho tido muito contato com o autor há algum tempo. Os conflitos refletidos nos sonhos de outrora diziam respeito aos temores em relação à convivência com aquilo que não podia controlar porque só dizia respeito aos outros;  o conflito, hoje, está ligado com aquilo que não quero fazer, mas não nego realizar, aquilo que preciso fazer, ainda que sem acreditar e o consequente afastamento das intuições. Hemingway fez suas escolhas: abandonou uma carreira porque queria vivenciar a literatura. Sobreviveu com menos de cinco dólares por dia em Paris para se tornar escritor. Relatou, anos depois, que sentir fome o ajudava no trabalho e a compreender as obras de artistas que, como ele, passaram por privações materiais. Hemingway fez suas escolhas, pagou o preço por elas e recebeu, com isso, um prêmio Nobel. Talvez, ao ir ter com ele enquanto dormia, eu esperasse ter indicações sobre as escolhas que não saiba fazer - ou, pelo menos, se preciso fazê-las ou não. 
Sonhos, bons ou ruins, parecem ser uma maneira interessante de contato consigo mesmo. Terríveis, entretanto, quando eles nos assustam mais quando deles não lembramos. 

"Você teve algum pesadelo esta noite?" 
"Não, não que eu me lembre. Por que?" 
"Você chorou muito enquanto dormia". 

Um comentário:

  1. obrigado por este texto. Ele me ajuda a seguir em frente.
    abraço

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