sexta-feira, 10 de setembro de 2010

FIA, Ferrari, F-1 e o Duende Vermelho

No começo deste temporada, Sebastian Vettel despontava como o garoto prodígio, sério candidato ao título, e ninguém esperava que veterano Mark Webber pudesse ameaçar sua posição dentro da Red Bull. O time austríaco tem uma clara preferência pelo alemão, mas tratou Webber com dignidade ao longo da temporada - exceto no caso da asa dianteira na Inglaterra - e Webber impôs-se impiedosamente sobre Vettel, a despeito da preferência da equipe.
Na McLaren, o "dono" da equipe Lewis Hamilton esperava em seu território o campeão mundial Jenson Button. Hamilton conta com apoio do time e com imenso carinho por parte de todos de Woking. No entanto, Button venceu duas vezes, logo de cara, deixando Hamilton em uma situação de pressão. Ao longo do ano, Hamilton inverteu a situação, vencendo três provas contra duas de Jenson, dominando amplamente, a esta altura, seu companheiro de equipe.
Desde o anúncio pela Mercedes da contratação do sapateiro oficial Michael Schumacher até a corrida de abertura no Bahrein, a mídia não falou de outra coisa que não a volta do heptacampeão às pistas. "É uma questão de três, quatro corridas para Schumacão mostrar para seu companheiro Rosberg como é que faz a coisa". Apesar da nítida preferência da chefia e do apoio incondicional dispensado a Schumacher, a despeito de suas patéticas apresentações, a Dona Mercedes trata Rosberguinho com dignidade - ou, pelo menos, sem sabotagem - e o alemão mais jovem domina amplamente seu parceiro mais famoso.
Na Ferrari, a contratação de Fernando Alonso trouxe para o time o patrocínio do banco gigantesco Santander e da seguradora Mutua Madrileña. Como todos podem ver, o banco em questão está em evidência em quase todos os GPs, e sua marca serve, inclusive, de molde para os troféus entregues - ridículso e muito feios.
Alonso foi para a Ferrari para ser campeão. É o time ideal para conquistar campeonatos. E só ver as estatísticas da última década. A Ferrari contratou Alonso para ser campeão, e por isso paga tantos milhões de euros ao espanhol.
Felipe Massa resistiu nas primeiras corridas, chegando a estar na liderança do campeonato. Alonso conquistou uma vitória na abertura do ano, cometeu vários erros, mas se impôs de forma razoavelmente sólida sobre o brasileiro. Pelo menos até a largada do GP da Alemanha.
Engraçado que, no dia anterior, conversávamos eu e a ala patriarcal do blog que era bem provável que Massa assumisse a ponta da prova na primeira curva. Vettel, o pole, não vinha largando bem, fecharia para cima de Alonso, atrapalhando-o, e sobraria a ponteira para Massa. Dito e feito.
Naquela oportunidade, com Massa liderando e Alonso reclamando, o espanhol tinha - repetimos - apenas uma vitória no campeonato. Massa, nenhuma. Poderia conquistar sua primeira, equilibrar as coisas no time. Era um final de semana especial para o brasileiro: completava-se um ano do fatídico acidente na Hungria, que o deixou de fora da temporada de 2009; morrera seu tio, incentivador muito próximo. Não poderia haver melhor circunstância para uma vitória, não só para a carreira, mas também para a vida de Felipe.
Entretanto, naquele dia, a Ferrari optou por não tratar Felipe Massa com dignidade. Naquela corrida ficou claro: só o Alonso disputa o título; o papel de Massa é não atrapalhar.
Falamos, no ano passado, sob um outro contexto, que o princípio do automobilismo é muito simples: ganha quem chegar primeiro. Não importa quanto custe o carro. Pode ser um carrinho de rolimã, um kart, ou um F-1: vence quem chegar primeiro, lúdico assim mesmo.
A Ferrari decidiu, há muitos e muitos anos atrás, que a lógica interna da equipe é outra. Lá na Itália, vence quem os homens de vermelho decidem.
A lógica ferrarista motivou, após um famoso episódio no ano de 2002, mudanças nas regras da F-1. Manipulações de resultado como aquela estariam dali em diante proibidas.
Tanto em 2002, quanto este ano, na Alemanha, a Ferrari escolheu o vencedor em uma corrida qualquer. Não havia nada em jogo. Em 2002, o domínio da equipe era tamanho que ninguém a ameaçaria na briga pelo título. Schumacher já havia desaparecido lá na frente. Era a sexta corrida do ano, e ficou claro para o mundo que, na Ferrari, só Schumacher estava disputando o título, ainda que Barrichello chegasse na frente.
Em 2010, estávamos na 11ª etapa de 19. A rigor, a Ferrari não está tão dentro da briga pelo título a ponto de precisar escolher um piloto. Na verdade, entregaram a Fernando Alonso uma vitória ocasional, que pode não mais se repetir, dado o rendimento dos carros vermelhos. Então foi um fuzuê danado, um papelão, por uma vitória que aconteceu por acaso, que não pode ser repetida sistematicamente; uma vitória que poderia significar muito mais para a vida de Massa do que significou para o campeonato de Alonso, da Ferrari e do Santander.
Mas, se em 2002 regras foram elaboradas para barrar a subversão do princípio básico do esporte, em 2010, tais regras foram quebradas. Foram quebradas com a conivência da FIA, sob presidência daquele que praticamente inventou os métodos ferraristas neste mister: o duente vermelho Jean Todt, sobre quem já falamos na ocasião em que assumiu a presidência o referido órgão.
A decisão do Conselho Mundial, na última quarta-feira, significa uma mudança no princípio do próprio esporte. Regras éticas e desportivas foram quebradas e o que se fez a respeito? Uma promessa de rever a proibição da manipulação de resultado, para agora permiti-la. Trata-se, ainda, de um esporte?
Talvez, um ser humano melhor que eu parasse de acompanhar a categoria. Isso seria o certo, já que estão sendo apregoados princípios com que não concordo.
Amanhã cedinho começarão os treinos para o GP da Itália. Assistirei tudo com o entusiasmo de sempre. Assim como é lúdico o princípio norteador das corridas, continuo com a crença lúdica - ingênua e tola - de que, acima de tudo, F-1 é um esporte em que homens vestidos de super-heróis sentam em máquinas especiais e brigam entre si para ver quem chega na frente. O problemas é que... não é.



Experimenta falar para um desses caras deixar o de trás vencer... Isso aí tem mais valor do uma corrida de F-1.

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