quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

TEMPO

 Éramos jovens e sonhadores. Lembro de deitarmos na grama do terreno baldio, olhar para o azul do céu e imaginar que uma nave espacial surgiria para resolver os problemas cotidianos. Minhas tenebrosas lições de matemática, por exemplo. Aos onze anos as preocupações dos adultos eram distantes. Tínhamos nossos próprios medos e assombrações. Fazia uma brincadeira idiota (hoje penso assim) em que a comparava com um extraterrestre. Seus pais e ela, filha única, possuíam um tipo físico único. Vinham de um país de nome impronunciável. Cabelos tão loiros que pareciam descoloridos. Olhos azuis como o céu. Por sinal, via nos olhos dela o céu sem nuvens. Pensava que com pouco esforço vislumbraria o espaço sideral. Quando da brincadeira ela olhava para mim de maneira inexpressiva. Era um elogio, certamente pensava. Minha amiga era de poucas palavras. Estudava em escola particular, o que era um luxo para a maioria do bairro. Quase nunca falava de sua vida. Eu, tinha certeza, era alguém importante em sua vida. O único a quem ela procurava. Não participava de brincadeiras com o restante da garotada. Dizia que as brincadeiras eram infantis demais. Enfim, ao meu modo estava apaixonado.

Invariavelmente, quando estávamos olhando o céu, perguntava o que eu faria se pudesse voltar no tempo. O que tentaria mudar. Ela insistia mesmo quando eu falava que tinha onze anos. Muitas decepções ainda viriam a ponto de querer mudar. Havia uma inquietude em sua voz. Como se algo inevitável estivesse por acontecer. Para ser sincero nunca pensei mesmo depois de quarenta anos na possibilidade de voltar no tempo e arrumar a casa bagunçada, por assim dizer.

Um belo dia minha amiga veio me ver. Com seu habitual jeito impessoal informou que iriam mudar de cidade. Fiquei tão aturdido que não ouvi para onde iriam. Disse que iria passar o resto do dia arrumando suas coisas.

Pela primeira vez na vida chorei um amor perdido. E, nem havia me declarado. No dia seguinte fui até sua casa para as despedidas. Não havia mais ninguém ou nada. Já haviam partido. Fiquei devastado com minha cartinha declaratória nas mãos. 

O tempo passou. Outras paixões vieram. Casamentos (sim, dois) filhos, uma vida normal na medida do possível. Como toda vida normal, algumas frustrações.

Nesta noite, no entanto, estou me amaldiçoando por não dar a devida atenção ao que minha amiga de quarenta anos atrás dizia. Para qual época iria se pudesse voltar no tempo.

Estou esperando o socorro porque meu carro quebrou na estrada voltando de uma curta viagem. Na minha frente minha amiga, que não envelheceu nadinha. Está ao pé do que chamamos de disco voador. Explicou que são viajantes espaciais. E, que tenho três minutos (sei lá porque três minutos) para decidir se quero voltar no tempo. Basta entrar no tal disco voador. E, voltar, por exemplo, ao início da viagem e levar o carro à oficina antes da quebra. Ou voltar no dia em que ela informou que iria mudar. E, me declarar. Deixar quarenta anos da minha vida desvanecer no tempo/espaço.

Que fazer?




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