quarta-feira, 13 de março de 2013

Habemus Papam! Mas ele é argentino...

Imaginem um país hipotético. Neste país - laico, por sinal - o anúncio do cardeal que assumiria o posto de sumo pontífice da igreja católica seria transmitido ao vivo. Um animador de televisão diria: "estamos, ao vivo, transmitindo para a maior nação católica do mundo o anúncio do novo Papa". Não soprariam no ouvido dele que a nação, a rigor, não tem religião. 
E então, anuncia-se o novo Papa e ele é argentino. O mesmo animador resigna-se, mas observa que gostaria mais que o eleito fosse um cardeal "do nosso país", afinal de contas, agora eles têm o Messi e, também, o Papa. Vejam só. 
No mesmo dia, também ao vivo, entraria na transmissão o julgamento de um indivíduo acusado de matar sua namorada. Estamos bem no momento em que o acusado é arguido por seus advogados de defesa. Após alguns poucos minutos, aquele mesmo animador, irritado, mandaria retirar do ar aquelas cenas, pois seria absurdo ficar ouvindo a defesa fazer perguntas para o réu responder. Ele diria algo como "estas perguntas devem ser combinadas. Claro que não vão fazer com que o réu se enrole". Logo, vamos tirá-las do ar. Nada mais óbvio naquele nosso país hipotético. 
Em seguida, entra a reportagem sobre o caso de um acidente automobilístico em que um indivíduo dirigindo um carro colidiu com um ciclista. O ciclista, tragicamente, teve um braço amputado. Por estar embriagado - ou, por terem dito estar embriagado -, quiseram que o motorista respondesse por tentativa de homicídio. E o elemento subjetivo do tipo? Dolo eventual, claro. Levado o caso ao juiz, esse decidiu que não, que não houve dolo eventual, pois tal figura é incompatível com crime tentado, mas não consumado. Acrescentou o magistrado que "raciocinar de forma diversa consistiria em verdadeiro sofisma". 
Nosso animador de TV do país hipotético discordaria, procurando explicar ao seu público o que é sofisma: "era uma coisa da Grécia antiga em que você especulava sobre algo que era contra a lei". Claro que, neste país hipotético, a história da filosofia é completamente diversa daquela que nós conhecemos. Percebe-se, claramente, que neste lugar inventado Sócrates jamais seria um sofista. 
Continuaria nosso animador, dirigindo-se agora diretamente ao magistrado: "concordo com Vossa Senhoria" - ah, sim, neste país os juízes não são chamados de Excelência - "e é por isso que eu acho que a lei tem que mudar". 
De repente, a televisão desliga e somos colocados a pensar neste país hipotético. Ora, se este animador de TV é formador de opinião é porque os verdadeiros formadores de opinião são ignorados ou muito incompetentes. Deve ser esse, pois, o problema: quem deveria seriamente pensar as questões do país está metido em conchavo e politicagem barata e não tem tempo ou interesse nas questões nacionais mais relevantes. 
Ainda, neste lugar inventado na nossa cabeça, se o animador de TV, formador de opinião, não quer ouvir as perguntas da defesa porque com elas o réu não vai se enrolar; mais, se uma decisão que aplica corretamente a lei é apenas um sinal de que a lei deve ser mudada, então, temos um país neofacista em que a lei é usada, na verdade, para subverter o direito. 
Após pensar hipoteticamente neste lugar inventado, o indivíduo levanta-se do sofá, vai até a sua geladeira procurando o que comer e constata: habemus ignorantiam

2 comentários:

  1. Falou tudo ... Fiquei imaginando aquele certo apresentador que aos domingos cansa os nossos ouvidos (não é aquele do baú, é claro), que, dentre outras aberrações, rende homenagens a qualquer zé das couves, sem valoração do alcance daquela atitude.Tem também aquele outro dos finais de tarde que entende de tudo e coloca como a VERDADE absoluta ... Tem salvação??? Nem o Edir Macedo sabe ... Quem sabe o Francisco I???

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