quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

O JURAMENTO

Completando o post anterior.
Fui dispensado do exército "por excesso de contingente". Está escrito no meu certificado de reservista. Por sinal não sei o paradeiro dele.

No início de 1972 (sim, faz tempo) foi marcado o dia do recebimento do certificado e o juramento à pátria.
Tudo no estádio do Pacaembu.
Para variar a cerimônia foi marcada para muito cedo.
Véio Mero não podia me levar e acabei numa efeméride busal (de ônibus). Como morava fora das rotas acabei por fazer um tour por sampa. Mas, cheguei ao estádio são e salvo e a tempo.

A rapaziada, feliz por escapar do serviço obrigatório, enchia a arquibancada coberta. Muita gente.
E, lógico, os recos estavam lá. Fardados, fazendo cara de poucos amigos e (surpresa) baionetas no fuzil. Aquilo não era bom. Não sei se o cara que me classificou como um alemão estava lá. Não procurei, é claro.
Havia uma mesa enorme instalada no gramado lá embaixo e um sistema de som estridente. Repentinamente entram os fardados graduados dando início aos trabalhos. Tome discurso na base da ordem e progresso. Lembrem-se, ditadura militar. Vários discursaram no mesmo sentido. Não era porque não iríamos "servir o exército" que estaríamos livres de defender o solo sagrado.
E, por aí vai.
Bom, fiquei imaginando que os certificados iriam ser entregues via correio ou algo assim. A gente iria jurar e pronto.
Qual nada. Começaram a chamar um por um dos zilhõe que ali estavam. Foi um balde de gelo. Aquilo iria demorar. Pelo menos não esperavam o agraciado descer. A chamada era do tipo batelada. Chato é que alguns faltaram e foram execrados pelos fardados no discurso final (sim, teve discurso antes juramento e hino). Sem saber o porque da ausência.

Num dado momento a gente começou a ouvir sirenes no entorno do estádio. Muitas. O medo era algum atentado ou algo assim. O tal servir a pátria poderia vir mais cedo do que pensávamos.

Bom, séculos depois acabou a entrega dos certificados vindo o juramento. Antes cantar o hino nacional. O famoso "ouviridum"
Aqui cabe uma observação. Naqueles tempos bicudos vira e mexe os alunos eram obrigados a ir ao pateo das escolas e cantar o hino nacional. Eu estudava no famoso CEDOM em Santana no horário noturno onde os alunos eram bastante engajados. Ante a nítida falta de vontade da maioria em cantar a prática acabou esquecida. Inevitável associar o hino à ditadura e a obrigatoriedade em cantá-lo tipo ordem unida. E, jogue a primeira pedra quem, da minha época, lembra a interminável letra sem uma colinha.

Voltando, lá estávamos nós pronto para a execução do hino. E, os recos de olho nos"cantores". Estava na beirada das cadeiras (não lembro exatamente se eram cadeiras) próximo a um dos recos.
Pensei melhor e fui para o meio da turma porque não sabia a letra por inteiro.
Fiz bem. Começou a cantoria e os recos vinham com a baioneta no pescoço de quem exitava ou fingia que cantava. Diziam coisas tipo "não sabe a letra, mané?" Com aquela cara de maluco beleza.
Lá no meio eu mexia a boca todo pimpão (como dizia minha avó) dublando a música.

Terminada a tortura fomos dispensados. Lá fui eu de volta ao tour pela cidade.
Na rua observava a passagem dos caminhões de bombeiros, polícia, ambulâncias e quetais.
De dentro do primeiro ônibus vislumbrei a TV de uma padaria. Estavam transmitindo ao vivo um incêndio de grandes proporções.
Este é o lado triste do meu juramento à pátria.
Foi no dia 24 de fevereiro de 1972. Dia do fatídico incêndio do edifício Andraus.





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