sábado, 23 de setembro de 2017

FAÇO FILMES

Todos temos aqueles tempos de vacas magras. Ao invés de cervejas Larger Premium Isotônicas Irlandesas, Cintra.
Bom, certa vez topei entrar numas de dividir a cena com outros pseudo diretores. Ninguém do meu calibre. Mas, aluguel atrasado tal e coisa.
A ideia era de um filme de ficção científica. Cada diretor teria espaço marcado pelo tempo.
Acabei cedendo à modernidade em relação ao movimento de câmera. Sabem esses diretores que filmam em primeira pessoa?
A câmera confunde-se com o personagem. Temos a impressão de ver com os olhos do protagonista.
Uma merda. Não tem foco, aquela coisa tremida, iluminação de boate. Dá vontade, literal, de vomitar.
A câmera caminha pelo corredor de uma casa. É noite. Mas, podemos notar que as paredes estão sujas e o chão descuidado. Restos de lata de refrigerante (ganhei um merchã, evidentemente). Há uma luz no fim do corredor. Banheiro. Nosso personagem adentra vagarosamente. Aqui um dos pontos altos do filme.
Cabe até uma pausa explicativa.
Pensei que o protagonista poderia ser uma bela mulher nua acostumada com filmes estranhos. Seria assim: um espelho enorme refletindo seu corpo nu. Ela prescrutaria seu corpo como se intrigada. Não se identificaria com o que está refletido.
Sabem em quem pensei. Bela mulher e filmes estranhos. Scarlett Johansson. Nome difícil para pessoa difícil.
Liguei para ela. Depois de dezenas de tentativas ela me atendeu. Não conhecia este diretor. Maldito empresário. Só leva dinheiro.
Bom, o diálogo foi mais ou menos assim. Meu inglês não é bom. Dá para o gasto.
- Hello
- Hi
-  You a beatifull girl.
 - Hum
- I ned your love.
- Hum.
- I make filmes.
- Hum
- I ned your hot body in the mirror
- Shit.
- You topa?
- Ah ah ah ah.
Desligou na minha cara.
Tive que refazer a cena engolindo a rejeição. Tudo bem. Estou acostumado com pessoas que não reconhecem um trabalho de grande magnitude.
Voltemos à cena do banheiro. Toda refeita, evidentemente.
O espelho é normal, desses de escovar os dentes vendo a baba escorrer.
A imagem refletida é de um garoto. Estranhamente branco e ruivo. Não encontrei ninguém como gostaria. Pintamos o Marquinhos, filho do eletricista.
Ele olha a imagem (tivemos que refazer várias vezes. O pentelho morria de rir).
Olhos arregalados contempla os pés.
Assustado sai em desabalada carreira. A tal câmera pulando mais que nunca. O som de sua respiração ofegante.
Entra em uma sala. O pai assiste TV com uma coberta nos pés. Lógico. Brancão e ruivão. Sim, o pai do Marquinhos, todo pintado.
- Pai! Tenho seis dedos em cada pé!
- Sério? Diz o pai fingindo espanto.
- Não consigo contar os meus. Cada vez que arranco um nascem dois.
O menino, voz esganiçada.
- Sério? Dos três pès?
As últimas imagens mostram a casa com um disco voador pousado no quintal. Na fuselagem um adesivo com os dizeres "como estou dirigindo?" e um número de telefone de Marte.




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